sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Reflexões de Sêneca sobre a morte

Na época em que Calígula subiu ao trono, em uma casa romana, longe das intrincadas tramas políticas, uma mãe perdeu um filho. Metílio estava prestes a completar 25 anos e era um jovem de futuro promissor. Ele e sua mãe Márcia eram muito unidos e sua morte a deixou excepcionalmente transtornada. Márcia afastou-se do convívio social e mergulhou em profundo luto. Seus amigos aguardavam com compaixão e esperança o dia em que ela readquiriria um pouco de serenidade. Ela não conseguiu. Um ano se passou, depois outro e o terceiro, e Márcia não parecia mais próxima de superar a dor. Três anos haviam decorrido e ela continuava tão chorosa quanto no dia do funeral. Sêneca enviou-lhe uma carta. Iniciou apresentando suas condolências sinceras, mas, com delicadeza, continuou: “O assunto que precisamos debater agora é se o sofrimento deve ser profundo ou eterno”.
Márcia revoltava-se com algo que parecia ser um acontecimento ao mesmo tempo terrível e raro. Para ela, o fato de tratar-se de algo raro o tornava mais terrível ainda. À sua volta, havia mães que tinham a companhia de seus filhos, jovens em início de carreira, prestando serviço militar ou assumindo cargos políticos. Por que justamente o seu filho lhe havia sido tirado?
A morte do rapaz representou um fato incomum e terrível, mas não foi – arriscou Sêneca – anormal. Se Márcia olhasse além de um pequeno círculo, encontraria uma lista assustadoramente longa de filhos mortos pela Fortuna (a deusa grega que representa as forças indomáveis do Destino). Otávia havia perdido seu filho, Lívia e Cornélia também; o mesmo havia acontecido com Xenofonte, Paulo, Lúcio Bibulo, Lúcio Sulo, Augusto e Cipião. Ao deixar de considerar tantas mortes ocorridas no passado, Márcia havia, de uma maneira compreensível, mas arriscada, negado a elas um lugar na sua concepção de normalidade: “Nunca prevemos o infortúnio até que ela nos bate à porta... Tantos funerais passam diante de nossas casas, todavia nunca nos preocupamos com a morte. Tantas mortes são prematuras e, no entanto, continuamos a fazer planos para as nossas crianças. Almejamos vê-las vestir a toga, servir ao exército, assumir os negócios paternos.” Espera-se que os filhos vivam, mas como é ingênuo acreditar na sobrevivência até sua maturidade estar garantida – ou mesmo até a hora do jantar: “Nenhuma promessa lhe foi feita para esta noite – não, exagerei em minha sugestão –, nenhuma promessa lhe foi feita até mesmo para esta hora.” Existe uma inocência perigosa na expectativa de um futuro formulado com base na probabilidade. Qualquer acidente a que um ser humano está sujeito, por mais raro que seja, por mais distante no tempo, é uma possibilidade para a qual devemos estar preparados.
Por que os longos períodos de benevolência da Fortuna nos seduzem à apatia, Sêneca pede que dediquemos alguns minutos diários para nos lembramos de sua existência. Não sabemos o que acontecerá em seguida: devemos estar a espera de alguma coisa. Ao amanhecer, devemos realizar o que Sêneca denominou praemeditatio, uma meditação antecipada de todos os sofrimentos da alma e do corpo aos quais a deusa pode vir a nos submeter.
Como ele disse para Márcia: “De que adianta lamentar as ciladas da vida? Toda ela é feita de aflições”.

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