quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Diálogo atemporal



Muito influenciado pelo vestibular, ensino médio corre o risco de deixar de lado a leitura de obras mais contemporâneas



FABIANA REWALD
DE SÃO PAULO


Qualquer aluno do ensino médio ao menos já ouviu falar de Machado de Assis ou de José de Alencar, nomes frequentes nas listas de livros cobrados pelos vestibulares. Mas é difícil encontrar quem já tenha lido Cristovão Tezza ou Luiz Ruffato, só para citar dois ganhadores do Prêmio Jabuti nos últimos anos.
Como o ensino médio é muito pautado pelos processos seletivos das universidades, as escolas admitem que é difícil fugir das listas.
"Sentia muita falta de incluir outros livros no programa, mas não dava tempo", conta Noemi Jaffe, doutora em literatura brasileira pela USP e ex-professora da disciplina no ensino médio.
Um dos motivos dessa falta de tempo é o fato de que ainda é comum o estudo da história da literatura, seguindo uma ordem cronológica.
"Isso se tornou quase uma camisa de força", critica Regina Zilberman, do Instituto de Letras da UFRGS (Federal do Rio Grande do Sul).
Mas as orientações curriculares do Ministério da Educação para o ensino médio já dizem que a ordem não precisa ser seguida: "Os professores [...] sentem-se obrigados a cobrir toda a linha do tempo, fazendo uso da história da literatura, ainda que isso não sirva para nada".
Uma alternativa sugerida pela especialista em literatura Maria José Nóbrega é comparar as diferenças entre as estéticas. "Essa experiência por contraste é mais fácil."
Para estudar o tema do amor romântico, os alunos do colégio Positivo, em Curitiba, leram "Inocência", escrito em 1872 por Visconde de Taunay, e "Contos de Amor Rasgados", publicado em 1986 por Marina Colasanti.
Perceberam que o amor não é mais tão idealizado quanto antigamente, diz o coordenador de literatura, Vanderlei de Siqueira.

MACHADO E FERRÉZ
Outro exemplo de intertextualidade é o que o escritor Marcelino Freire faz em oficinas para adolescentes.
"Dá para estudar Machado de Assis conversando com a literatura de Ferréz [autor de "Capão Pecado", entre outros livros]. Basta que o professor tenha ginga para misturar as tribos."
Regina Zilberman sugere ainda o uso de filmes ou peças de teatro para fazer uma "interlocução entre passado e presente". "No caso de Machado de Assis, que se transformou quase num "pop star", existem adaptações de suas obras muito boas, já numa linguagem moderna."
O professor de teoria literária da Unicamp Alcir Pécora dá um alerta, porém: "[Fazer relações temporais entre obras antigas e contemporâneas] pode enriquecer o repertório. Mas também pode empobrecê-lo, caso se subordine o interesse das antigas exclusivamente aos temas contemporâneos".

FUVEST E UNICAMP
A lista unificada de livros obrigatórios cobrados atualmente pela Fuvest e pela Unicamp é marcada pelas obras canônicas. A mais recente é a edição aumentada de "Antologia Poética", de Vinicius de Moraes, publicada em 1960.
Para Manuel da Costa Pinto, curador da Festa Literária Internacional de Paraty, o ensino médio deveria incluir a leitura de obras mais próximas do aluno. Ele lembra que alguns vestibulares já cobram obras atuais, como a UFSM (Federal de Santa Maria), que prevê a leitura de "Eles Eram Muitos Cavalos", de Luiz Ruffato.
Renato Pedrosa, coordenador do vestibular da Unicamp, explica que não há uma determinação de adotar apenas livros clássicos ou mais antigos, mas existe a preocupação de que eles sejam todos de domínio público. "Não pode ser difícil de encontrar nem ser caro."
Ele diz ainda que não concorda totalmente com a posição de que a literatura produzida nos dias de hoje seja mais fácil ou atraente para os jovens. "As técnicas usadas hoje são de leitura mais difícil, têm uma estrutura mais sofisticada, que inclui narrativas não lineares."

Folha de S. Paulo, 27 dez. 2010.



Formação de leitores é desafio a ser enfrentado por professores



THAÍS NICOLETI DE CAMARGO


Segundo o Conselho Nacional de Educação, a meta das aulas de literatura do ensino médio é formar leitores literários -e não há um currículo obrigatório a cumprir.
Na prática, as exigências dos principais vestibulares do país acabam pautando a programação dos colégios.
Durante muito tempo, o estudo da literatura limitou-se ao conhecimento dos estilos de época e dos seus principais representantes -e a literatura era vista por não poucos estudantes como uma das "matérias chatas" do currículo.
Uma arte, comparável à pintura, à escultura e à música, foi, muitas vezes, reduzida a uma coleção de nomes de autores e características estilísticas. Alguém imaginaria estudar a história da música sem ouvir música?
Para estudar literatura, entretanto, é preciso ler - e isso requer o desenvolvimento da concentração. Em tempos de absorção fragmentária do conhecimento, na velocidade dos microtextos da internet, isso pode parecer difícil, mas é uma missão a cumprir: é preciso ensinar a ler para além da leitura dinâmica.
A literatura é fonte de sutilezas tanto de pensamento como de linguagem, um canal privilegiado de percepção e diálogo com o mundo - e os estudantes não podem ser privados desse saber.
Parece improvável, porém, que um aluno de 15 anos venha a se interessar por literatura começando com obras de Gil Vicente ou de Camões, como manda a cronologia que tem dirigido os currículos de literatura. Não é nova a ideia de inverter a ordem, de modo que os estudantes mais jovens tomem contato com obras mais recentes, de linguagem menos difícil, deixando para um segundo momento as obras mais antigas.
O que se vê hoje é uma situação pouco alentadora. Os principais vestibulares do país vêm adotando listas de livros de leitura obrigatória.
Se a iniciativa, num primeiro momento, fez que os candidatos à universidade lessem pelo menos algumas obras inteiras, hoje os professores de cursinhos as leem e as dissecam nas chamadas "aulas especiais". Na internet, o estudante também encontra, devidamente digeridas, as obras das listas.
Ao mesmo tempo, por um motivo ou por outro, salvo algumas exceções, a literatura contemporânea é subtraída dessas listas, acentuando a defasagem entre o mundo real e o universo escolar.
Paradoxalmente, o esforço dos professores em resumir e interpretar as obras selecionadas parece relegar ao segundo plano o mais relevante: a experiência de leitura. Há que se perguntar se as listas de livros promovem o avanço na formação de leitores literários ou se acabam produzindo indesejáveis efeitos colaterais.
Folha de S. Paulo, 27 dez. 2010.
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Concordo, em parte, com as observações, no que diz respeito ao ensino da Literatura. 
É produtivo compararmos estéticas diferentes. Cotejando um poema romântico com uma narrativa realista, emprega-se o recurso da definição por contraste. Em outras palavras, definimos algo por aquilo que ele não é.
Ressaltar relações intertextuais também pode ser útil. Trata-se de uma boa maneira de o aluno perceber que uma escola literária não desaparece simplesmente, dando lugar a outra. Mas sim que os valores, as crenças e os conceitos de cada estilo de época permanecem, mesmo que sub-repticiamente, na cultura ocidental. Basta imaginarmos o amor cortês, presente na poesia trovadoresca, que ainda influencia a maneira como concebemos o amor em pleno século XXI. Há exemplos aos montes no cinema, nas novelas de tevê, nas músicas dor-de-corno dos cantores sertanejos etc.
Agora, querer comparar Machado de Assis com Ferréz... Ah, faça-me um favor! 
Há uma tendência em valorizar o novo em detrimento do antigo, que passa a ser visto como "arcaico", "impenetrável", "difícil", "desinteressante".
É obvio que um texto com uma linguagem atual e com elementos próprios da realidade do aluno/leitor será mais atraente a ele. Mas não significa que será uma obra superior àquela escrita há 40, 50, 100 anos. Afinal, as coisas não são boas apenas por serem novas. 
Aliás, que "revelação" das letras dos últimos 30 anos pode ser considerado um talento genuíno e inconteste? Que autor recente conseguiu captar nossos anseios, nos sensibilizar,  nos instigar e, ao mesmo tempo, fazer parte do inconsciente da nação? Pense, por exemplo, como os versos de Drummond ou Bandeira vivem na boca de tantos brasileiros que nem sabem quem sejam Drummond ou Bandeira?
Me recuso a considerar alguém bom escritor só porque venceu o Jabuti. Pegue Cristovão Tezza, que venceu o prêmio com seu livro "O filho eterno" (2009). Garanto que um jovem leitor achará a obra um porre (o que de fato é). Possivelmente, esse hipotético aluno terá mais prazer em ler "Inocência"(1872), só para ficarmos nas obras citadas pelo artigo acima. Digo isso porque lembro-me bem de quando uma aluna minha de 15 anos disse ter adorado a leitura e caído em lágrimas ao final do romance de Taunay.
No máximo, aquelas obras "contemporâneas",  com "linguagem jovem" e "próximas da realidade" podem ser usadas como "iscas" para atrair futuros leitores. A partir delas, o jovem poderá dar mergulhos mais profundos. Pois é claro que ninguém começa lendo Machado de Assis ou Guimarães Rosa. Nem deveria.
Ocorre que, se nós, professores de Literatura, não exigirmos, no Ensino Médio, a leitura de certos cânones literários, dificilmente a maioria dos alunos terá outra oportunidade de travar conhecimento com eles. E acredito, sim, que um ser humano, antes de morrer, deve ter algum  contato com Machado de Assis, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Vinícius de Moraes, Manuel Bandeira, Rubem Braga e afins.
Entretanto, por que ficarmos presos apenas à Literatura Brasileira?
É preciso reconhecer que nossa literatura é indiscutivelmente de segunda categoria. Poucos são os nossos autores de alcance universal. Entre "O triste fim de Policarpo Quaresma" e "D. Quixote" eu, francamente, optaria pelo segundo. Por que não lermos "Madame Bovary", de Flaubert, se discutimos e/ou lemos "O primo Basílio", de Eça de Queiroz?  É como se obrigássemos - ou condenássemos, dependendo do ponto de vista - nossos estudantes a assistir apenas aos nossos estupendos e inesquecíveis filmes nacionais!
Além disso, já que falei em cinema, acho contraproducente esse negócio de ficar passando filminho nacional baseado em obra de Machado de Assis. Primeiro, porque são péssimos. Em todos os níveis. Segundo, porque quem tenta transpor Machado para a tela não entendeu patavina do que leu. Cinema é ação, movimento, imagem. E Machado não é um autor propriamente dinâmico ou imagético. Nele, a história não é o fundamental. Em muitos contos e em vários romances desse escritor, o que importa não é o que acontece, e sim COMO o autor elabora o enredo e COMO o narrador nos conta a história.
Só dá para perceber a grandeza de Machado de Assis lendo os livros de Machado de Assis, não assistindo a representações deles. Para mim, tentativas cinematográficas de adaptação de textos do Bruxo do Cosme Velho são meros caça-níqueis, que visam ao mercado dos paradidáticos. São totalmente desprovidos de "engenho e arte".
Por outro lado, se é para despertarmos o prazer da leitura nos iniciantes, por que não indicar, então, Agatha Christie, Alexandre Dumas, Conan Doyle, Charles Dickens, Emile Brönte, Jane Austen, George Orwell, Lewis Carroll, Júlio Verne e tantos outros que sabidamente despertaram (e despertam) o apetite de tantas gerações?!
É claro que podemos incluir brasileiros nessa lista: Jorge Amado, Luís Fernando Veríssimo, Rubem Fonseca, Inácio de Loyola Brandão, João Carlos Marinho, Marcelo Rubens Paiva... O que não podemos fazer é valorizar a Literatura Brasileira apenas porque é nacional ou porque , como manifestação da nossa cultura, é um modo de nos situarmos no mundo, de saber quem somos. Ora, posso muito bem perceber isso lendo Tchekov ou Shakespeare. Não preciso só da MINHA cultura para isso. Quem diz o contrário é adepto de um nacionalismo ranheta e retrógrado.
No entanto, é bom ressaltar, são obras que devem ser exploradas ao longo do Ensino Fundamental.  O gosto pela leitura, o  hábito de ler ou a intimidade com a literatura já devem estar desenvolvidos quando o aluno adentra o Ensino Médio. Daí para frente, é necessário avançar e  atingir outras profundezas mil.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Vá ver tevê


Charge publicada pelo sempre genial Laerte, na Folha de S. Paulo, em 9 dez. 2010. Apenos creio que a crítica à TV soe um pouco anacrônica. Hoje, a Internet se alimenta de infância muito mais que a televisão. Concordam?

sábado, 20 de novembro de 2010

Sim, eu tenho preconceito

O autor do artigo abaixo é Leandro Narloch, jornalista, é autor de um livrozinho ótimo chamado Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil . Nele, o autor - que foi repórter do Jornal da Tarde e da revista Veja e editor das revistas Aventuras na História e Superinteressante - procura desfazer alguns mitos acerca da nossa história. Mitos estes tão repetidos por uma inteligentsia de esquerda que acabaram sendo tomados por verdades inquestionáveis. Ao mexer nesse vespeiro, sempre baseado em recentes estudos acadêmicos, Narloch contribui para que não tenhamos uma visão muitas vezes maniqueísta dos fatos e vultos que marcaram nosso país.
O texto que segue foi publicado no jornal Folha de S. Paulo em 11 de novembro de 2010:


Logo depois de anunciada a vitória de Dilma Rousseff, pingaram comentários preconceituosos na internet contra os nordestinos, grupo que garantiu a vitória da candidata petista nas eleições.
A devida reação veio no dia seguinte: a expressão "orgulho de ser nordestino" passou a segunda-feira como uma das mais escritas no microblog Twitter.
O racismo das primeiras mensagens é, obviamente, estúpido e reprovável. Não se pode dizer o mesmo de outro tipo de preconceito - aquele relacionado não à origem ou aos traços físicos dos cidadãos, mas ao modo como as pessoas pensam e votam. Nesse caso, eu preciso admitir: sim, eu tenho preconceito.
Eu tenho preconceito contra os cidadãos que nem sequer sabiam, dois meses antes da eleição, quem eram os candidatos a presidente. No fim de julho, antes de o horário eleitoral começar, as pesquisas espontâneas (aquela em que o entrevistador não mostra o nome dos candidatos) tinham percentual de acerto de 45%. Os outros 55% não sabiam dizer o nome dos concorrentes. Isso depois de jornais e canais de TV divulgarem diariamente a agenda dos presidenciáveis.
É interessante imaginar a postura desse cidadão diante dos entrevistadores. Vem à mente uma espécie de Homer Simpson verde e amarelo, soltando monossílabos enquanto coça a barriga: "Eu... hum... não sei... hum... o que você... hum... está falando". Foi gente assim, de todas as regiões do país, que decidiu a eleição.
Tampouco simpatizo com quem tem graves deficiências educacionais e se mostra contente com isso e apto a decidir os rumos do país.
São sujeitos que não se dão conta de contradições básicas de raciocínio: são a favor do corte de impostos e do aumento dos gastos do Estado; reprovam o aborto, mas acham que as mulheres que tentam interromper a gravidez não devem ser presas; são contra a privatização, mas não largam o terceiro celular dos últimos dois anos. "Olha, hum... tem até câmera!".
Para gente assim, a vergonha é uma característica redentora; o orgulho é patético. Abster-se do voto, como fizeram cerca de 20% de brasileiros, é, nesse caso, um requisito ético. Também seria ótimo não precisar conviver com os 30% de eleitores que, segundo o Datafolha, não se lembravam, duas semanas depois da eleição, em quem tinham votado para deputado.
Não estou disposto a adotar uma postura relativista e entender esses indivíduos. Prefiro discriminá-los. Eu tenho preconceito contra quem adere ao "rouba, mas faz", sejam esses feitos grandes obras urbanas ou conquistas econômicas.
Contra quem se vale de um marketing da pobreza e culpa os outros (geralmente as potências mundiais, os "coronéis", os grandes empresários) por seus problemas. Como é preciso conviver com opiniões diferentes, eu faço um tremendo esforço para não prejulgar quem ainda defende Cuba e acredita em mitos marxistas que tornariam possível a existência de um "candidato dos pobres" contra um "candidato dos ricos".
Afinal, se há alguma receita testada e aprovada contra a pobreza, uma feliz receita que salvou milhões de pessoas da miséria nas últimas décadas, é aquela que considera a melhor ajuda aos pobres a atitude de facilitar a vida dos criadores de riqueza.
É o caso do Chile e de Cingapura, onde a abertura da economia e a extinção de taxas e impostos fizeram bem tanto aos ricos quanto aos pobres. Não é o caso da Venezuela e da Bolívia.
Por fim, eu nutro um declarado e saboroso preconceito contra quem insiste em pregar o orgulho de sua origem. Uma das atitudes mais nobres que alguém pode tomar é negar suas próprias raízes e reavaliá-las com equilíbrio, percebendo o que há nelas de louvável e perverso. Quem precisa de raiz é árvore.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Enem na berlinda

Professora acompanhou de perto a evolução do vestibular da Unicamp.

Para Maria Luiza Abaurre, ex-formuladora de questões da Unicamp, a concepção da avaliação se perdeu quando o exame passou a ter função também de vestibular

O Enem tem o mérito de exigir que o estudante desenvolva articulação textual, o que, na prática, significa aprimorar sua própria forma de se expressar. Mais que isso: uma prova de vestibular que foca na interpretação de textos fará com que estudantes mais dispostos a questionar e argumentar cheguem ao Ensino Superior e ao mercado de trabalho. No entanto, utilizar o Enem como forma de avaliação do Ensino Médio e também como vestibular é um erro, uma vez que as provas possuem focos diferentes e, portanto, deveriam também ter diferentes estratégias.

Quem afirma isso é alguém que passou por duas grandes revoluções no vestibular brasileiro e conhece do riscado. Além de observar as mudanças hoje provocadas pelo Enem, a professora Maria Luiza Abaurre, formada em Letras e mestre em Teoria Literária pela Unicamp, era corretora de provas quando, em 1986, a Universidade de Campinas deixou a Fuvest para selecionar os alunos por meio de provas dissertativas que focavam a redação e a capacidade do aluno em argumentar. Durante 1992 e 1996, foi uma das responsáveis pela banca elaboradora de provas da Língua Portuguesa, aproveitando a experiência de lecionar no Ensino Médio de Campinas, cidade onde vive. Maria Luiza foi, também, assessora do Instituto Nacional de Estudos e  Pesquisas Anisio Teixeira (Inep). Atualmente é coordenadora pedagógica de um colégio em Campinas, além de escrever livros didáticos para a Editora Moderna, entre os quais uma série sobre o aprendizado de gramática, produção de texto e literatura. Nesta entrevista ao jornalista Fernando Vives, Maria Luiza fala sobre os prós e os contras do Enem, comenta suas mudanças, e avalia como a ênfase no ensino de interpretação textual vai impactar a sala de aula.

Carta na Escola: O Enem pode selecionar alunos mais qualificados para as universidades, agora que se tornou também um exame seletivo?

Maria Luiza Abaurre: A proposta do Enem é boa, mas para o que ela serve é um problema. O Enem hoje não tem mais uma finalidade definida. A partir do momento que se estabelece a prova como processo de seleção para as universidades, mas ao mesmo tempo continua sendo uma prova não obrigatória, causa-se um impacto na concepção da avaliação. De repente, o Enem serve para selecionar alunos para universidades federais e particulares, certificar alunos e jovens adultos do Educação para Jovens e Adultos (EJA) e para indicar concessão de bolsas do ProUni. Pense como alguém que tem o desafio de elaborar essa prova, que tem duas finalidades. Primeiro, demonstrar conhecimento; segundo, selecionar os melhores ao vestibular, o que obriga as questões a apresentar um grau de complexidade que permita eliminar alunos. Porém, para a certificação de um aluno que concluiu o EJA, não é preciso elaborar uma questão que elimine ninguém, e sim saber o que o aluno aprendeu. São, portanto, coisas incompatíveis.

CE: Um vestibular moldado na interpretação de textos pode selecionar alunos mais qualificados?

MLA: Sim. Passei por uma experiência concreta quanto a isso na Unicamp, em 1986. O perfil dos alunos que chegavam mudou e as reações dos professores eram duas: uns gostavam muito,  porque os novos alunos tinham maior disposição para questionar, e outros que achavam terrível, justamente pelo mesmo motivo. Idealmente, o aluno deve ser questionador mesmo. Aluno indagador estabelece relações com aquilo que ele já sabe. É isso que se pretende, pois o conhecimento é complexo, não linear, e não deve ser compartimentado como acontece na escola. Na realidade, no mundo, muitas vezes, precisamos articular várias áreas para entender o que está acontecendo. O ensino universitário baseia-se em muita leitura, e se um estudante não identifica na leitura a informação do texto, tem-se um problema. Um médico, por exemplo, ouve pacientes contando seus sintomas e estabelece um diagnóstico. Isso é interpretação de texto aliada aos conhecimentos dele. Mas, claro, trabalhar habilidade não é abrir mão de conteúdo.

CE: Especificamente sobre a concepção da prova, Enem e Ideb mudaram a relação da escola com a redação, uma vez que as questões passam a focar bastante em interpretação de texto. Como a senhora avalia isso?

MLA: É uma boa mudança. Podemos ver em dois ou três anos mudança interessante no perfil do aluno no Ensino Médio. Ele não oferece tanta resistência a textos mais longos, por exemplo. Acha que é natural extrair informações de um texto, pegar referências e chegar às respostas, sem que ele tenha um vasto conteúdo de antemão. Isso está na matriz do Enem. Um investimento maior na formação de competências associadas à leitura deve modificar o perfil do aluno, o que é muito bom. Em algumas regiões específicas do Brasil, no vestibular investia-se na avaliação direcionada na quantidade de informações que o aluno possuía ao concluir o Ensino Médio. As escolas agora têm de garantir que o aluno desenvolva determinadas habilidades, construa o saber fazer, e a partir daí estabeleça conceitos e articule informações. O problema é que isso ainda é estranho a muitos alunos.

CE: De que maneira essas mudanças causam impacto nas escolas?

MLA: O impacto do Enem não está restrito ao Ensino Médio. Sobretudo em Língua Portuguesa, o trabalho começa na priorização do aprendizado desde a educação básica. Trata-se de mudança profunda da concepção de ensino em sala de aula. A educação no Brasil, sobretudo nas Ciências Exatas, é fortemente voltada para a informação adquirida pelo estudante. Agora o Enem informa aos professores que os alunos precisam desenvolver habilidades, não só conhecimento. O que se prioriza agora é o saber fazer. É preciso saber o que é necessário para os professores colocarem isso em prática.

CE: Os meios acadêmicos estão preparados para formar profissionais que desenvolvam habilidades e competências?

MLA: Depende da região do Brasil. No fim dos anos 1990, quando o MEC divulgou as novas diretrizes para a educação, já se dizia que a melhor estratégia de ensino era a de competências. Logo, isso não é novidade nos meios acadêmicos, já que a concepção nasce de especialistas que vêm daí. Como a avaliação dessas questões acaba mais centrada em alguns polos universitários, como as Universidades Federal de Pernambuco, de São Paulo, de Minas Gerais e Campinas, por exemplo, vamos ver na formação de professores em cursos próximos a esse polos o currículo já alterado e formandos que já se sentem confortáveis em lecionar competências e habilidades. Mas, longe desses centros, está longe de acontecer. O Brasil é grande, a tarefa é difícil.

CE: Houve melhora no índice econômico do brasileiro nos últimos anos. Esse avanço estendeu-se também ao conhecimento, à forma de se expressar?

MLA: Não houve, pelo contrário. Infelizmente, vemos chegando à escola filhos de pais que têm pouco contato com a cultura. O fato de esses pais colocarem filhos em bons colégios não é garantia de que essas crianças terão perfil diferente do deles. O que se valoriza na nossa cultura é o sucesso imediato da modelo, do jogador de futebol, que são pessoas que não investem na própria formação, na maioria. Predomina a visão da sociedade que valoriza o “chegar lá” sem muito esforço, e o estudo exige esforço e investimento pessoal. Agora, observamos um fenômeno: os jovens leem menos? Não. Eles leem mais, porque passam muito tempo em frente ao computador, estão sempre lendo e escrevendo. O desafio da escola é reorientar essa leitura e escrita. Há 20, 30 anos, o aluno ia à biblioteca buscar informações quando o professor mandava fazer um trabalho. Hoje ele usa o Google e tem como resultado milhares de links possíveis. Ele vai ter de avaliar o que ler, qualificar a natureza da fonte. Em vez de o professor voltar à sala de aula e dizer “isso é ruim, porque você copiou e colou”, ele tem de estabelecer os parâmetros para saber se a fonte é confiável ou não. O aluno vai acabar aproveitando melhor o computador para aprimorar seu aprendizado. Isso é um desenvolvimento de habilidade, é mudança positiva. Portanto, respondendo à sua pergunta, no geral os alunos de hoje chegam desenvolvidos em habilidades específicas, como mexer no computador, mas imaturas em relação ao espaço à sua volta.

CE: Quais as principais dificuldades dos alunos na hora de escrever uma redação?

MLA: Há várias. Para escrever, primeiro, o estudante precisa dominar a língua para se expressar, e isso não se obtém como um investimento focado na apresentação de normas e regras somente – e, por muito tempo, a Língua Portuguesa nas escolas foi mais voltada para a apresentação de normas do que para a análise do sistema no qual a língua se estrutura. E o aluno também tem de entender como essa língua funciona. Por que usar um ou outro conceito? Produzir textos significa articular informações por meio de uma língua, não se escapa disso. Se você não articula bem através das ferramentas, por mais que as informações sejam excelentes, não vai conseguir desenvolver o texto.
Agora, uma alteração positiva que os professores podem fazer é trabalhar as estruturas dos gêneros, para que possam trabalhar melhor a linguagem. Imagine o professor que pede aos alunos que escrevam um conto de terror. Ao produzir um texto, a escolha que faço dos adjetivos é importantíssima. Através deles vou conseguir dar essa atmosfera de terror. E aí o aluno aprende a real função do adjetivo, por exemplo. Por muito tempo, a escola ignorou isso. Tomar contato com a variada gama de gêneros textuais faz a diferença. Se esse aluno não investir em conteúdo para inserir no texto, porém, não vai adiantar muito.

CE: As maneiras de interação social se baseiam, sobretudo, pelo gênero jornalístico. No entanto, existe uma diferença entre este e a redação escolar. Até que ponto isso se configura num problema para o aluno se expressar?

MLA: Ao dizer que são diferentes, estamos nos referindo a escolas que focam a dissertação tradicional. Quando a escola se abre para história em quadrinhos, coluna social, notícias e outros, discute as estruturas e leva em consideração o contexto em que circulam, facilita a compreensão de texto por parte dos alunos. Se o estudante tem hoje todo esse acesso e se pedem a ele que produza apenas a dissertação, a escola se fecha à sociedade. Lembro de um professor que citou um caso interessante. Ele pediu a cada aluno de uma classe que descrevesse a si mesmo. O resultado foi pífio. Então ele pediu aos estudantes que se descrevessem como no perfil do Orkut. Aí sim, a classe se empolgou e fez boas descrições.

CE: E quanto ao ensino de Literatura? Muitas vezes, o que se vê ainda é aquela velha prática do fichário, onde se estuda quem fez o quê e quando, somente…

MLA: A Literatura não deve ser vista como um estudo de conjunto de obras que revelam somente um trabalho da linguagem artística. Se for assim, olhamos apenas um baú cheio de velharias para reconhecer marcas de um passado. O texto literário veicula discurso, foi escrito em um  momento específico com leitores para aquelas características específicas de uma sociedade específica. Quando trabalho um autor clássico da nossa literatura estereotipado, como José de Alencar, por exemplo, é necessário contextualizar. Dizem que ele propõe um projeto de literatura que resolveu mostrar o Brasil aos brasileiros. Devemos entender quais eram os contextos daquela produção: havia um investimento do imperador, que queria falar da formação do povo brasileiro. Então era natural que a arte expelisse esse movimento amplo da sociedade. Isso é ampliar o contexto em que a obra foi escrita.

VIVES, Fernando. Carta na Escola, 10 set. de 2010.

domingo, 7 de novembro de 2010

O brasileiro não lê

Raphael Soeiro – Revista SuperInteressante – edição 284 – novembro 2010

Vestibular Unifenas 2011 - Propostas de Redação Comentadas

Comentários sobre as duas propostas de redação do vestibular 2011 da Unifenas, aplicadas em 24 de outubro de 2010: clique aqui.

sábado, 23 de outubro de 2010

Livros Infantis Gratuitos!


Todos os anos, junto com a Fundação Itaú social, o Itaú busca reforçar a importância do Estatuto da Criança e do Adolescente através de ações voltadas à educação. Neste ano, a ação convida toda a sociedade a contribuir para o desenvolvimento dessas crianças através de um gesto simples: a leitura para crianças de até 6 anos. Para isso, o banco vai distribuir gratuitamente 8 milhões de livros.
A coleção Itaú de Livros infantis é feita de quatro volumes, para você ler e reler com seus filhos, sobrinhos, netos ou alunos. Você assume o compromisso de ler um livro para uma criança e de repassar esse livro para outra pessoa fazer o mesmo.
Acesse o site e faça seu pedido. É só preencher o cadastro e recebê-los na sua casa, em qualquer lugar do Brasil.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Para os Ateus


O professor e escritor Richard Dawkins, um dos principais divulgadores do ateísmo no mundo, fez sucesso na internet por conta de um inflamado discurso que proferiu em ataque ao papa Bento XVI, durante uma marcha contra a visita do pontífice à Inglaterra. As diversas versões do vídeo, inclusive com legendas em português, foram vistas quase 500 mil vezes.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Preso pela Língua

Hoje em dia, até mesmo para poder ser ladrão o sujeito tem de dominar a Língua Portuguesa. A notícia abaixo foi publicada no site do jornal Hoje:

Erro de português leva ex-PM para a prisão
Um ex-policial militar foi preso em Salvador quando tentava aplicar um golpe. No documento havia um erro de português. Um "x" no lugar de um "s".
Mauro Vinícius Soares tentava comprar um celular com um cartão clonado, segundo a polícia. O atendente da loja desconfiou de um detalhe no documento do ex-PM. Mauro se apresentou como Pedro de Jesus Figueiredo, técnico de engenharia e "extruturas" - com 'x'. E não "estrutura" com s. Foi aí que o atendente chamou a polícia e o golpe foi confirmado. Marcos vai responder por estelionato, fabricação e uso de documentos falsos.

Pensamento do Dia

Lemos, penso eu, para sanar a solidão, embora, na prática, quanto melhor lemos, mais solitários ficamos. Não posso encarar a leitura como um vício, mas tampouco é virtude.
BLOOM, Harold. Onde encontrar a sabedoria? Rio de Janeiro, Objetiva, 2004, p. 121.

sábado, 18 de setembro de 2010

Minha Cocaína

Estava revendo, alguns dias atrás, esse belo filme que é Regras da Vida (totalmente pró-aborto, embora muita gente nem perceba!), dirigido, em 1999, pelo subestimado diretor sueco Lasse Hallström. O filme foi indicado a sete Oscar, mas não levou nenhum pra casa. Pena.
Mas não queria falar sobre isso. Ocorre que, assistindo-lhe, me lembrei do quão ótimo ator é Michael Caine. Também uma figura pouco valorizada, mas um dos maiores artistas de todos os tempos. Talvez isso se deva ao fato de Caine topar qualquer papel e fazer muita porcaria. Lembro-me de que disse certa vez:
“Primeiro eu escolho os papéis grandiosos. Na falta deles, escolho os medíocres. E, na falta destes, interpreto aquele papel que vai pagar o aluguel no final do mês”

Porém, mesmo nesses filmes, é sempre um prazer vê-lo atuar.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Interpretação de Texto

 

Já, inclusive, postei sobre isso...

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Meu pai mudou de casa

Em 6/9/2010, meu avô faleceu. Alguns dias depois, meu pai escreveu o seguinte obituário que reproduzo abaixo:

MEU PAI MUDOU DE CASA

“Não tenhas medo. Morrer
Não custa nada, é viver.
Custa menos que se pensa.
O principal é ter crença.
Morre o corpo, a alma abre asa
E vai: é mudar de casa.”
(António Nobre)

A alma de meu pai, Pedro Paulo da Cruz, abriu asa (uso aqui a expressão do poeta em epígrafe) no dia 6 de setembro desse mês corrente. Partiu com ele após 84 anos de existência, deixando a esposa Eunice (sua querida Nicinha), quatro filhos, dez netos e um bisneto. Ao mudar de casa (mais uma vez recorro ao poeta), meu pai não deixou ouro, prata ou bronze, mas um legado de retidão e de grandeza moral que poucas vezes encontrei em qualquer ser humano. Não sei se, ao longo da vida, foi contemplado com duas ou três linhas de algum jornal, mas uso esse espaço (acatando sugestão da Doutora Maria do Rosário Velano) para registrar sua trajetória de homem simples, porém marcada por princípios que devem ser os dos grandes homens. Também o faço porque sei – como afirmou Machado de Assis – que “o louvor dos mortos é um modo de orar por eles”.
Primogênito do casal João Francisco da Cruz e Rita Rodrigues da Cruz – pais de sete filhos -, Pedro Paulo, nascido em 29 de junho de 1926, tornou-se, ainda mal saído da infância, uma espécie de arrimo de família visto que, tendo o pai casado já “maduro”, tinha, a certa altura, dificuldades para prover a família. Eram tempos difíceis, marcados pela instabilidade política e econômica que, naturalmente, atingia uma pequena cidade interiorana como Alfenas. Não podendo completar o antigo curso primário, o adolescente, com precária educação formal, viu-se compelido a ingressar na construção civil e, antes do Serviço Militar, vamos encontrá-lo “arrebentando-se” (segundo própria expressão) nas fundações da futura Igreja de Nossa Senhora Aparecida. Pouco depois, torna-se pedreiro, ocupação que teria pelo resto da vida.
Aos 21 anos, Pedro Cruz casou-se com Eunice Miranda da Cruz. Nessa altura, já era um oficial bastante requisitado, sendo responsável por uma série de construções na cidade, culminando, nas décadas de 1980 e 1990, já como uma espécie de empreiteiro, com suntuosas edificações no Jardim da Colina. Além do domínio absoluto da profissão, sua trajetória distinguiu-se pela absoluta correção com que honrava seus compromissos e pela austeridade com que os cumpria. Seu senso de honradez, não raro, levava-o a ter prejuízos e, por isso, nessas ocasiões, ia trabalhar em São Paulo, onde, à custa de extremo sacrifício pessoal, obtinha uma remuneração que lhe permitia sustentar a família.
Na década de 1950, meu pai, getulista convicto, passou a integrar o diretório municipal do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro). Por isso, em 1954, foi candidato – sem sucesso – a vereador. Na ocasião, coligaram-se o PTB e o PSD, ambos liderados, respectivamente, por Francisco Reis e Silva (o Tite) e Dr. Emílio da Silveira. Dessa coligação, sai o prefeito de Alfenas: Dr. João Januário de Magalhães (Janjote). No final dos anos de 1940, Pedro Cruz já tivera sua consciência social e política despertada ao fazer parte do Círculo Operário, aqui criado pelo progressista Padre Geraldo Pawels, também fundador do Centro Católico, de um jornal combativo e de uma cooperativa destinada ao operariado local. Assim, foi natural seu ingresso, mais tarde, no quadro diretivo da União Operária de Alfenas, quando essa agremiação, realmente, funcionava e ainda estava distante da decadência que passou a ostentar. Na década de 1980, com a abertura  política, foi convocado pelo Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de Belo Horizonte. Decidido a fomentar em Alfenas o sindicalismo, esbarrou – juntamente com outros abnegados – na má vontade do operariado local que, segundo ele, preferia assistir às novelas da Globo a participar de qualquer tipo de reunião.
Pedro Cruz, homem de pouco riso, marcado por convicções inabaláveis, das quais nunca abriria mão, obrigado a lutar pela sobrevivência, nunca teve tempo para diversões ou entretenimento.Elegeu o trabalho como essência de sua vida. Seus poucos desafetos foram os ociosos ou aqueles que negligenciaram as suas obrigações. Desde os 15 anos de idade, mostrou-se devoto de Nossa Senhora do Rosário (atribuía a ela a cura de uma doença de Sá Ritinha, sua mãe) e, por isso, tornou-se para sempre um emérito congadeiro. Participar das Congadas, para ele, foi sempre uma missão, mais que lazer, cumprida com dedicação inexcedível. Essa manifestação popular teve início, em Alfenas, há mais ou menos 120 anos e, pouco depois, revestiu-se de um caráter bastante peculiar: a encenação, em espaços públicos, das famosas “embaixadas”, recriação da campanha do imperador francês Carlos Magno contra os mouros que ocupavam a Península Ibérica. Por muitos anos, coube a meu pai ser uma espécie de roteirista de tais encenações, estabelecendo um script e distribuindo as falas, a exemplo de um diretor teatral. Além disso, atuava como a personagem (Rolando, ou Oliveiros, na concepção popular) com maior número de falas. Um dos seus monólogos tinha a duração de meia hora. Trazia-o sempre na ponta da língua e, mesmo já abalado pelas precárias condições de saúde, conseguia recitá-lo na íntegra. Só deixou de participar das Congadas quando os últimos padres (sacramentinos) vedaram o acesso dos adeptos dessa manifestação folclórica à Matriz de São José e Dores. Daí em diante, para ele, era como estivessem proibindo sua adoração por Nossa Senhora do Rosário que, no entanto, durou enquanto a memória permitiu.
Apesar da pouca instrução formal, meu pai sempre foi um indivíduo muito inteligente. Em sua profissão, nunca socialmente valorizada, chegou mesmo a corrigir arquitetos e engenheiros. Sua aguda percepção de tudo provinha, sobretudo ,da leitura de jornais, revistas e obras da história universal. Guardava na memória prodigiosa fatos e datas que, normalmente, escapavam da nossa percepção. Sempre teve consciência política, preferindo claramente os regimes de força, por considerá-los mais próximos de sua condição de pessoa austera e com códigos morais extremamente rígidos. Era, acima de tudo, o que chamamos de “pessoa sistemática”. Seu profundo conhecimento da história de Alfenas me fez despertar o mesmo gosto e, por isso, me empenho até hoje no estudo do nosso passado.
Embora “sistemático” (e talvez por isso mesmo), Seo Pedro conquistou centenas de amigos. São provas disso os inumeráveis “compadres” que,  juntamente com Dona Nicinha (com quem esteve casado por 62 anos), angariou pela vida a fora. Tinha verdadeira adoração às crianças, para as quais inventava brinquedos e outros mimos. Sobrinhos e sobrinhas (alguns já com netos) jamais se esquecem de passeios de bicicletas com o tio Pedro que, para tais ocasiões, projetou uma “cadeirinha” especial. Aliás, com suas resistentes bicicletas (sem marchas) gostava de percorrer os bairros de Alfenas, fixando os nomes das ruas. Fazia-o também a pé, quando isso ainda era possível. Adorava fazer, aos domingos, compras na feira, aonde ia vezes seguidas não só  para comprar verduras e legumes, mas também para rever amigos, com quem mantinha animada conversação.
Há algum tempo, deixou-se fotografar na Praça Emílio Silveira e, para sua surpresa, viu espalhados pela cidade, especialmente nas repartições públicas, dezenas de cartazes com sua estampa a exibir um sorriso discreto e seu indefectível chapéu de feltro. Longe de ficar vaidoso, não fez comentários e nem usufruiu da “fama” de “modelo” que apregoava os benefícios do INSS para aposentados.
Termino aqui esse modesto resgate da memória de meu pai. É muito pouco diante daquilo que ele representou para todos nós, mas suficiente para todos saibam que, entre nós, existiu um cidadão que cumpriu com máxima inteireza de princípios seus deveres de filho, pai e cidadão e, que por isso, jamais será esquecido.

Em tempo:

 Em nome da família de Pedro Cruz, agradeço a todos que, por gestos, atos e palavras, o confortaram durante sua enfermidade. Nossa gratidão também será eterna àqueles que nos cumularam de atenções por ocasião de seu falecimento.

João Batista da Cruz

Aldous Huxley vs George Orwell

A HQ abaixo faz um embate entre as obras Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, e 1984, de George Orwell. Leituras indispensáveis. Ao que parece, o velho Huxley sabia das coisas...









sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Ambiguidade

Essa eu recebi por e-mail:

FALAR CORRETAMENTE É ÓTIMO, DESDE QUE COM O INTERLOCUTOR  CERTO...  


A moça, de família, patricinha, se preparou toda para ir ao ensaio de uma escola de samba. 
Chegando lá, um negão suarento e banguela pede pra dançar com ela e, para não arrumar confusão, ela aceita. 
Mas o negão suava tanto que ela já não estava suportando mais! A moça foi se afastando, e disse:
  -  VOCÊ SUA, hein!
Ele a puxou, lascou um beijo e respondeu: 
- Tamém VÔ SÊ SEU, Princesa! É nóis!

sábado, 4 de setembro de 2010

Feriado

Um lugar quente e cheio de gente.
Os ecologistas o definiriam praia; os cristãos, Inferno.
Fico com a definição cristã.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Dicas de Livros

Pesquisas mostram que um dos principais fatores na formação do hábito de leitura de uma pessoa é o incentivo dos pais, logo nos primeiros anos escolares. Portanto, se você tem um filho nesta idade, vai aí uma ótima dica. Como parte do Projeto Educar para Crescer, iniciativa comandada pela Editora Abril, um grupo de educadores selecionou um conjunto obras indispensáveis para que os alunos cheguem com boas referências à vida adulta. São 204 livros para serem lidos dos dois aos dezoito anos, um por mês.
Na lista, verdadeiras preciosidades da literatura universal, como Crime e Castigo, Madame Bovary, Admirável Mundo Novo e A Metamorfose. O cardápio é saboroso e variado. Os brasileiros convivem lado a lado com os escritores estrangeiros e há espaço para todos os gêneros literários.
Clique na imagem abaixo e comece a aventura. Tenho certeza de que vai encontrar ótimas dicas de leitura para você também.

sábado, 28 de agosto de 2010

Dica do Dia

Folha de S. Paulo, 28 ago. 2010, p. E16.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Análise Sintática

Ainda sobre a matéria da Veja, uma observação sobre a análise sintática (p. 96), tão perseguida nesses tempos de caça aos gramáticos...

domingo, 15 de agosto de 2010

Capa da revista de Veja (11/8/2010):


Ótima publicidade para os profissionais da área.
É uma forma despertar as pessoas para a importância do ensino da língua.
Eis algumas dicas da edição:

E outras mais:

sábado, 7 de agosto de 2010

Frases de Nélson Rodrigues

- O jovem tem todos os defeitos do adulto e mais um: — o da imaturidade.
- Tudo passa, menos a adúltera. Nos botecos e nos velórios, na esquina e nas farmácias, há sempre alguém falando nas senhores que traem. O amor bem-sucedido não interessa a ninguém.
- Nós, da imprensa, somos uns criminosos do adjetivo. Com a mais eufórica das irresponsabilidades, chamamos de “ilustre”, de “insigne”, de “formidável”, qualquer borra-botas.
- A grande vaia é mil vezes mais forte, mais poderosa, mais nobre do que a grande apoteose. Os admiradores corrompem.
- O brasileiro não está preparado para ser “o maior do mundo” em coisa nenhuma. Ser “o maior do mundo” em qualquer coisa, mesmo em cuspe à distância, implica uma grave, pesada e sufocante responsabilidade.
- Há na aeromoça a nostalgia de quem vai morrer cedo. Reparem como vê as coisas com a doçura de um último olhar.
- Ou a mulher é fria ou morde. Sem dentada não há amor possível.
- O homem não nasceu para ser grande. Um mínimo de grandeza já o desumaniza. Por exemplo: — um ministro. Não é nada, dirão. Mas o fato de ser ministro já o empalha. É como se ele tivesse algodão por dentro, e não entranhas vivas.
- Assim como há uma rua Voluntários da Pátria, podia haver uma outra que se chamasse, inversamente, rua Traidores da Pátria.
- Está se deteriorando a bondade brasileira. De quinze em quinze minutos, aumenta o desgaste da nossa delicadeza.
- O boteco é ressoante como uma concha marinha. Todas as vozes brasileiras passam por ele.
- A mais tola das virtudes é a idade. Que significa ter quinze, dezessete, dezoito ou vinte anos? Há pulhas, há imbecis, há santos, há gênios de todas as idades.
- Outro dia ouvi um pai dizer, radiante: — “Eu vi pílulas anticoncepcionais na bolsa da minha filha de doze anos!”. Estava satisfeito, com o olho rútilo. Veja você que paspalhão!
- Em nosso século, o “grande homem” pode ser, ao mesmo tempo, uma boa besta.
- O artista tem que ser gênio para alguns e imbecil para outros. Se puder ser imbecil para todos, melhor ainda.
- Toda mulher bonita leva em si, como uma lesão da alma, o ressentimento. É uma ressentida contra si mesma.
- Acho a velocidade um prazer de cretinos. Ainda conservo o deleite dos bondes que não chegam nunca.
- Chegou às redações a notícia da minha morte. E os bons colegas trataram de fazer a notícia. Se é verdade o que de mim disseram os necrológios, com a generosa abundância de todos os necrológios, sou de fato um bom sujeito.
- Amar é ser fiel a quem nos trai.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Conjugação Verbal: ninguém é perfeito

O mestre na sombra

EXISTE UMA certa unanimidade sobre a importância do estado de ânimo e da personalidade do professor na facilitação do processo de aprendizagem na sala de aula.
Creio que todos concordam com a ideia de que a atividade do professor precisa ser bem paga. Claro.
Parece existir, também, uma correlação clara entre salário e eficiência. Tem sido dado grande destaque à questão salarial, mas isso não parece ser suficiente.
Além do salário, o reconhecimento da pessoa do mestre por parte da comunidade é muito importante.
Se ele sair da sombra, se for conhecido, isso alavancará a sua autoestima, sem a qual o entusiasmo inexiste.
Vivemos em uma época em que todo mundo - professor inclusive - gostaria de sair da sombra e do anonimato, pelo menos entre seus pares.
Professor é a profissão onde o entusiasmo é indispensável. A fé na importância da tarefa que ele desempenha depende de reconhecimento e de uma certa notoriedade, talvez mais do que entre outros profissionais.
O mestre precisa do olhar de apreciação, não só de seus alunos. Isto é, precisa ser aceito, mas depende disso a aceitação de sua mensagem.
Há muitas décadas, o professor era muito importante. Ser reconhecido e cumprimentado por um alimentava a vaidade da pessoa. Valia a pena conhecer professores.
A velha imagem da maçã na mesa do professor desapareceu. Ele já não é mais tão homenageado como antes.
Uma ou outra família ainda se esforça para agradá-lo. Será ainda uma honra receber uma visita de professor? É uma honra ele aparecer em um aniversário?
A minha proposta é que se anexem aos programas de valorização do professor projetos de especialistas em construção de imagem, marketing pessoal - por que não?
Esses especialistas poderão tirar os mestres da sombra. Só a título de exemplo: poderíamos criar concursos de redação, de poesia, realizar passeios e excursões, congressos municipais ou regionais, tudo com alta visibilidade, repercussão na mídia.
A ideia é tirar o professor de um lugar que ficou pequeno e redimensioná-lo como alguém que se diverte, que troca informações e compartilha conhecimento. Saberemos, assim, quem são, e eles se sentirão acompanhados.
A condição do professor é muito especial: tem que despertar curiosidade, entusiasmo, fé, não só no conteúdo mas também na forma de aplicar o conteúdo.
O magistério bem visto e admirado até facilitaria às autoridades conceder aumentos salariais.
A profissão de ensinar depende do sorriso de satisfação do professor. Hoje, no século 21, ser reconhecido é ser visto, é ser notado. Um professor do ensino fundamental é o menos valorizado pela mídia e, consequentemente, pela sociedade.
Gostaria de ver eventos de professores na TV, justamente aqueles que são tão criticados como responsáveis - os "que não dão conta".
Vamos mostrar que nós os apreciamos. Ser professor do ensino fundamental não é apenas ensinar a ler, contar e escrever. O professor fica sozinho com a tarefa de ensinar a fazer "benfeito". É com ele que aprendemos ordem, aplicação e capricho. O professor é um modelo de "fazer".
Hoje, sem nota de ordem, sem nota de aplicação, tendo por modelo professores anônimos sem história, como podem eles gerar cidadãos eficientes? É na primeira infância que se aprende a fazer.
Além de reunião de pais com mestres, precisamos de mestres reconhecidos, para que possam fazer parte da história dos meus netos, como os meus professores fazem parte da minha história.

MAUTNER, Anna Verônica. O mestre na sombra. Folha de S. Paulo, São Paulo, 20 jul. 2010.
Tenho lido esse livro maravilhoso que é A sabedoria dos mitos gregos. O francês Luc Ferry, ex-ministro da Educação, é autor de outra obra fantástica que é Aprender a viver, um dos meus livros de cabeceira. Seu intuito é fazer-nos percerber que a mitologia grega procura mostrar a nós mortais os meios de dar sentido ao mundo circundante. A mitologia não considera o universo um "objeto a se conhecer", mas uma "realidade a se viver", ou seja, é o terreno de jogo de uma vida que dele encontrar seu lugar nele.

Adorei, no prólogo, a razão que ele dá para a feitura da obra:

"... parece-me crucial recolocar o frenesi das compras e da posse em seu divido lugar, na verdade secundário, fazendo nossos filhos compreenderem não se tratar da coisa mais importante da existência e que, de alguma maneira, é o que traça a meta principal da vida humana. para ajudá-los a resistir às pressões que se impõem e ajudar também a que as superem, com pelo menos algum distanciamento, é essencial - e talvez vital, se lembrarmos que a falta de droga pode ser fatal ao viciado - dotá-los, o mais rapidamente possível, dos elementos para um vida interior rica, profunda e duradoura. Para tanto, é preciso ser manter fiel ao princípio evocado, aquele segundo o qual quando mais a pessoa dispõe de valores culturais, morais e espirituais fortes, menos vulnerável está à necessidade de comprar por comprar e de zapear por zapear. Por conseguinte, estará menos vulnerável à insatisfação crônica que inevitavelmente nasce da multiplicação infinita dos desejos artificiais."

James Joyce

Tava aqui lendo sobre a vida de James Joyce (1882-1941), um dos gênios da prosa e um dos maiores romancistas do séx. XX, e me lembrei de um pub. Quando morava em Sampa, havia o Finnegans, pub da região de Pinheiros. Era uma referência ao livro Finnegans Wake (1939), do eminente autor irlandês. Assim como em vários pubs do mundo, o bar comemorava, todo 16 de junho, o Bloomsday, isto é, o dia em que Leonard Bloom, personagem de Ulisses (1922), perambula pelas ruas de Dublin.
Porém, o que me chamou a atenção foi outra coisa. Não sabia que os irlandeses comemoram também o "Dia de Lúcia" (26 de julho), aniversário da filha do escritor. Foi uma data criada para promover a conscientização sobre a esquizofrenia. Sim, Lúcia era esquizofrênia. Joyce, certa feita, disse sobre ela:

"Seja qual for o brilho ou o dom que possuo, ele foi transmitido para Lúcia e alimentou uma fogueira em seu cérebro".

Lúca era bailarina, aluna do irmão de Isadora Duncan, e teve um frustrado romance com Samuel Beckett, amigo de seu pai. Chegou a ser tratada pelo próprio Carl Jung que descreveu pai e filha como

"duas pessoas indo para o fundo de um rio, uma por ter caído e outra por ter mergulhado".
Achei fascinante essa observação do famoso psicanalista...

terça-feira, 20 de julho de 2010

O professor

Guardadas as devidas proporções e feitas as devidas adaptações, a história, por mais reacionária que pareça, diz muito sobre o ensino brasileiro:

Um professor de economia na universidade Texas Tech disse que ele nunca reprovou um só aluno antes, mas tinha, uma vez, reprovado uma classe inteira. Essa classe em particular tinha insistido que o socialismo realmente funcionava: ninguém seria pobre e ninguém seria rico, tudo seria igualitário e "justo".
O professor então disse:
- Ok, vamos fazer um experimento socialista nesta classe. Em vez de dinheiro, usaremos suas notas nas provas.
Todas as notas seriam concedidas com base na média da classe, e, portanto, seriam "justas". Isso quis dizer que todos receberiam as mesmas notas, o que significou que ninguém seria reprovado. Isso também quis dizer, claro, que ninguém receberia um "A".
Depois que a média das primeiras provas foram tiradas, todos receberam "B". Quem estudou com dedicação ficou indignado, mas os alunos que não se esforçaram ficaram muito felizes com o resultado.
Quando a segunda prova foi aplicada, os preguiçosos estudaram ainda menos - eles esperavam tirar notas boas de qualquer forma. Aqueles que tinham estudado bastante no início resolveram que eles também se aproveitariam do trem da alegria das notas. Portanto, agindo contra suas tendências, eles copiaram os hábitos dos preguiçosos... Como um resultado, a segunda média das provas foi "D".
Ninguém gostou.
Depois da terceira prova, a média geral foi um "F".
As notas não voltaram a patamares mais altos, mas as desavenças entre os alunos, buscas por culpados e palavrões passaram a fazer parte da atmosfera das aulas daquela classe. A busca por "justiça" dos alunos tinha sido a principal causa das reclamações, inimizades e senso de injustiça que passaram a fazer parte daquela turma. No final das contas, ninguém queria mais estudar para beneficiar o resto da sala. Portanto, todos os alunos repetiram o ano... Para sua total surpresa.
O professor explicou que o experimento socialista tinha falhado porque ele foi baseado no menor esforço possível da parte de seus participantes.
Preguiça e mágoas foi seu resultado. Sempre haveria fracasso na situação a partir da qual o experimento tinha começado.
 - Quando a recompensa é grande - ele disse - o esforço pelo sucesso é grande, pelo menos para alguns de nós. Mas quando o governo elimina todas as recompensas ao tirar coisas dos outros sem seu consentimento para dar a outros que não batalharam por elas, então o fracasso é inevitável.

A professora de Matemática

Relato de uma Professora de Matemática
Semana passada comprei um produto que custou R$15,80. Dei à balconista R$ 20,00 e peguei na minha bolsa 80 centavos, para evitar receber ainda mais moedas. A balconista pegou o dinheiro e ficou olhando para a máquina registradora, aparentemente sem saber o que fazer.Tentei explicar que ela tinha que me dar 5,00 reais de troco, mas ela não se convenceu e chamou o gerente para ajudá-la. Ficou com lágrimas nos olhos enquanto o gerente tentava explicar e ela aparentemente continuava sem entender.
Por que estou contando isso?
Porque me dei conta da evolução do ensino de matemática desde 1950, que foi mais ou menos assim:


Ensino de matemática em 1950:
Um lenhador vende um carro de lenha por R$100,00. O custo deprodução é igual a 4/5 do preço de venda. Qual é o lucro?

Ensino de matemática em 1970:
Um lenhador vende um carro de lenha por R$100,00. O custo de produção é igual a 4/5 do preço de venda ou R$80,00. Qual é o lucro?

Ensino de matemática em 1980:
Um lenhador vende um carro de lenha por R$100,00. O custo de  produção é R$80,00. Qual é o lucro?

Ensino de matemática em 1990:
Um lenhador vende um carro de lenha por R$100,00. O custo de produção é R$80,00. Escolha a resposta certa, que indica o lucro:
( )R$ 20,00 ( )R$40,00 ( )R$60,00 ( )R$80,00 ( )R$100,00

Ensino de matemática em 2000:
Um lenhador vende um carro de lenha por R$100,00. O custo de produção é R$80,00. O lucro é de R$20,00.
Está certo?
( )SIM ( ) NÃO

Ensino de matemática em 2009:
Um lenhador vende um carro de lenha por R$100,00. O custo de produção é R$80,00. Se você souber ler coloque um X no R$20,00.
( )R$20,00 ( )R$40,00 ( )R$60,00 ( )R$80,00 ( )R$100,00

Em 2010, vai ser assim:
Um lenhador vende um carro de lenha por R$100,00. O custo de produção é R$80,00. Se você souber ler coloque um X no R$20,00. (Se você é afrodescendente, especial, indígena ou de qualquer outra minoria social não precisa responder)
( )R$20,00 ( )R$40,00 ( )R$60,00 ( )R$80,00 ( )R$100,00

Há quem possa discordar, mas eu defendo a meritocracia no ensino.

domingo, 18 de julho de 2010

Triste realidade

Quantidade de livrarias no país é insuficiente, diz pesquisa

O número de livrarias no Brasil está abaixo do recomendado pela Unesco, apesar de ter crescido 10% nos últimos três anos, segundo levantamento da ANL (associação de livrarias).
Hoje, há uma livraria para cada 64 mil habitantes no país, no total de 2.980 lojas. O número indicado pela Unesco é de uma unidade para cada 10 mil habitantes.
A região mais bem servida é a Sul, seguida por Sudeste, Nordeste, Norte, Centro-Oeste e o Distrito Federal.
"As livrarias no Brasil não conseguem competir com as grandes redes, a internet e os supermercados, que vendem com valores muitos baixos", afirma Vitor Tavares, presidente da ANL.
Os dados são do Diagnóstico do Setor Livreiro de 2009, que será divulgado dia 27.

Folha de S. Paulo, 18/7/2010.

Elogio da Ignorância

O jornal Folha de S. Paulo publicou, neste domingo (18/7), algumas notícias que reforçam uma ideia que sempre tive a respeito do ensino no país. Todos os anos nós professores participamos de reuniões inúteis sobre como melhorar a situação dos colégios e fazer os alunos estudar. Discutem-se modos de avaliação, novas tecnologias, distribuição de notas e metodologias de ensino. Trata-se de cortina de fumaça que disfarça o essencial: é preciso premiar o bons e punir os maus alunos. Será tão difícil colocar isso em ação?

"O país não gosta de premiar os melhores e penalizar os piores"

Nathan Berkovits, 49, professor do Instituto de Física Teórica da Unesp, acha que um clima de mais competição entre os pós-graduandos faria bem para o país.
"O aluno americano sabe que vai ter de ser o melhor para conseguir emprego. Há muita pressão sobre ele, mas ele valoriza o estudo, se esforça", diz. "Não que todos os alunos brasileiros sejam relaxados, os melhores daqui são iguais aos melhores de lá. Mas, na maioria dos casos, a atitude é diferente."
Segundo ele, a prática de "premiar os melhores e penalizar os piores", que no Brasil ganhou o apelido de meritocracia, faria bem ao país.
"Entre todos os professores das federais, os salários são iguais, as horas-aula iguais. Não há uma maneira para diferenciar um pesquisador bom de um ruim."
Mesmo prezando essa tradição americana - foi aluno em Harvard, e nas universidades da Califórnia e de Chicago - Berkovitz acabou deixando os EUA. Ainda em sua terra natal, casou-se com uma brasileira. Veio conhecer o país, gostou e ficou, mesmo depois de divorciado.
"Brasileiro trata estrangeiro até melhor do que trata o próprio brasileiro", diz. Isso talvez seja fruto de uma síndrome de inferioridade, apesar de ter impressão que isso está mudando, diz o físico, que chegou ao em 1994. Naturalizado desde 2002, não se considera mais americano.
"O brasileiro acha estranho um estrangeiro querer morar aqui. Mas é um lugar bom para morar se você não é pobre, apesar da violência."
O físico se incomoda com o frio de São Paulo. "As casas aqui são construídas para o calor. Nos EUA você não sente frio dentro de casa."
Há onze anos, se casou com outra brasileira. Não pensa, por enquanto, em voltar. "Aqui não existe tanta pressão para fazer o que todo mundo está fazendo. Além disso, algumas coisas melhoraram muito, como o CNPq."
Ele acha que o Brasil não sabe atrair bons cientistas de fora - processos de contratação em português ainda atrapalham numa área onde o inglês já é língua franca.

"Quem gosta de estudar não é admirado no Brasil"

Guo Qiang Hai, 48, físico chinês que mora em São Carlos (SP) desde 1993, veio para o Brasil sem conhecer ninguém, atrás de uma bolsa na Universidade Federal de São Carlos. Desde 2003 é professor da USP. Adora o país, mas está preocupado.
Tem uma filha de um ano com uma brasileira e acha que as escolas que ela vai frequentar não são tão boas quanto as chinesas.
"Na China a escola é em tempo integral, o aluno sempre volta com tarefa. Se precisar, ele estuda no sábado."
Para Hai, a escola chinesa não é melhor apenas que a brasileira. Ele tem outra filha, que estudava na China até o ano passado. Com dificuldades em matemática, tinha um professor particular.
Quando a menina se mudou com a mãe (também chinesa) para a Austrália, se tornou a melhor da turma na matéria. "Todos falam para ela "nossa, como você é inteligente'", conta Hai, rindo.
"Além de o professor chinês ganhar bem, os alunos respeitam. Existe uma cultura que valoriza o conhecimento. Aqui não é bem assim. Na TV, parece que só se admira quem participou do Big Brother, tem dinheiro, é modelo. A sociedade não põe na cabeça das crianças que elas têm de estudar."
Isso se reflete na qualidade da pesquisa brasileira, diz Hai. Ainda assim, ele diz que a valorização da ciência tem melhorado: "Em São Paulo, não falta financiamento".
Para o pesquisador é estranho sofrer pouca cobrança. "O docente aqui é funcionário público, não tem tanta pressão como nos EUA ou na China. Aqui existem muitos que se dedicam dia e noite, mas quem não faz nada continua na universidade."
Existem problemas, mas é preciso ressaltar as qualidades do país, diz. "As pessoas são legais, é fácil fazer amizade. Eu gosto muito, gosto do clima. Só português eu achei meio complicado", brinca.
Hai acompanha com otimismo as notícias de seu país. "Quando saí da China para a Europa, em 1988, ela era bem fechada. Hoje mudou muito. Ainda não existem jornais particulares, a TV é estatal. Mas você pode falar com os seus amigos o que quiser. Não é que nem a gente vê na televisão aqui."
Diz se impressionar com o crescimento econômico chinês. "Todo mundo está querendo ficar rico. Deus é grana", brinca. "Se você tem dinheiro, faz o que quiser."

Morbidez?

Lendo um conto de Isaac Babel, encontrei meu epitáfio: "amante de livros e de coisas belas". Pode parecer mórbido, mas verdadeiro. É como gostaria de ser lembrado.

sábado, 10 de julho de 2010

Futebol


Há uma relação iniludível entre a religião e o desporto designado espetáculo desportivo. É que tanto a religião como o espetáculo desportivo não cessam de criar deuses. Não surpreende, por isso, que o futebol haja tomado o lugar da religião e tornou-se, hoje, um espaço que “religa” as pessoas por meio de novas crenças e de novos deuses. Pelé, Garrincha, Maradona, Cruyff, Eusébio, Platini, Zidane, Cristiano Ronaldo, Kaká, Figo, Leonel Messi etc. são os novos deuses de uma sociedade em que “Deus morreu”.
O segredo do sucesso do futebol reside no fato de, nele, não se usarem as mãos e bem pouco a linguagem e, sem as mãos e a linguagem, diminui a consciência, o espírito crítico e libertam-se os instintos mais primitivos. Qualquer exemplo acabado do senso comum discute futebol, julgando-se sábio, nessa matéria. É que, para falar de futebol, ninguém precisa pensar muito. Sem as mãos e a linguagem, o futebolista não ultrapassa níveis muito baixos de consciência.
A sua vida profissional é uma verdadeira exaltação dos sentidos. Como escreve Álvaro Magalhães, no seu livro História Natural do Futebol: “[...] o jogador de futebol, privado de consciência e carregado de instinto, ganha acesso à intensidade da vida pré-humana e experimenta a matéria de que éramos feitos, antes de sermos o animal evoluído que hoje somos”.

*SERGIO, Manuel. Futebol e religião. O Estado de S. Paulo.

*Filósofo português, é autor de 37 livros, entre eles o recente Filosofia do Futebol.

domingo, 27 de junho de 2010

Fim de Semana em Guará

Fui a Guaratinguetá para o aniversário de minha afilhada. Passeando pelo shopping, não resisti e acabei por entrar na livraria. Resultado:

1. Praticamente inofensiva, de Douglas Adams. O livro faz parte da série iniciada pelo ótimo Guia do Mochileiro das Galáxias. Os livros seguintes são bons, mas não tão divertidos e inteligentes quanto o primeiro. Porém, é sempre interessante observar a forma como Adams brinca com conceitos da astrofísica e da filosofia para criar uma narrativa repleta de ironia.

2. Elisete Cardoso: uma vida, de Sérgio Cabral. Biografia de uma das maiores cantoras brasileiras, escrita pelo pai do atual governador do Rio de Janeiro e autor também de uma boa biografia do Tom Jobim. Elisete é minha intérprete favorita. Maior que Elis ou Bethânia.

3. Os bastidores de Hollywood na Vanity Fair, organizado por Graydon Carter. Sou um cinéfilo que adora ler sobre o cinema. Li críticas bem favoráveis a esse Os bastidores... Nesse livro, conta-se o making of de uma variedade de clássicos hollywoodianos. De Cleópatra a Reds. Os textos foram publicados na renomada revista americada do título acima. Destaque para A malvada e para um dos meus filmes favoritos, A primeira noite de um homem.

4. Contos escolhidos, de Isaac Babel. Li, certa vez, um conto desse autor russo e fiquei maravilhado. Espero que esteja à altura de Tchekóv. Autor também russo a que Babel já foi comparado. Gostei particularmente de uma citação na orelha da obra: "Nenhum ferro aguçado pode atravessar o coração humano tão friamente como um ponto final colocado no lugar exato." A conferir...

5. A filosofia em House, do grupo de filosofia Blitris. O estudo de filosofia é um dos meus hobbies. Some-se a isso a série norte-americana "House, M.D." Uma das mais assistidas pelo mundo. Tenho acompanhado as diversas temporadas da série televisiva e sei que o livro deve dar espaço a inúmeras questões sobre ética e moral.

6. Sir Richard Francis Burton, de Edward Rice. Terminei recentemente o Cem dias entre céu e mar, do navegador Amyr Klink. Daí, quis me aprofundar na vida de outros exploradores e aventureiros. Um dos mais conhecidos é o capitão inglês Richard Burton (1821-1890), que desbravou a África atrás das nascentes do Nilo, traduziu As mil e uma noites e deu a conhecer o Kama Sutra ao Ocidente. Foi explorador, soldado, erudito, espião, diplomata, escritor e tradutor. Viveu, inclusive, no Brasil. A presente biografia pretende lançar luz a uma das figuras mais singulares do século XIX.

7. Os segredos da ficção: um guia da arte de escrever, de Raimundo Carrero. O livro constitui-se de dicas, conselhos, técnicas e experiências do autor (já premiado com o Jabuti e o APCA) para a criação de narrativas. Em outras palavras, um livro de "carpintaria literária".

terça-feira, 22 de junho de 2010

Analfabetismo Funcional

Dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) , do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontaram que o Brasil tem o grande desafio de combater o chamado analfabetismo funcional, que atinge 25% da população com mais de 15 anos, entre outras agravantes, constitui um problema silencioso e perverso que afeta o dia a dia nas empresas.
Neste universo não estamos incluindo pessoas que nunca foram à escola, mas sim aquelas que sabem ler, escrever e contar; chegam a ocupar cargos administrativos, porém não conseguem compreender a palavra escrita. Computadores provocam calafrios e manuais de procedimentos são ignorados; mesmo aqueles que ensinam uma nova tarefa ou a operar uma máquina. No entanto, este perfil de profissionais prefere ouvir explicações da boca de colegas.
Calcula-se que, no Brasil, os analfabetos funcionais somem 70% da população economicamente ativa. O resultado não é surpreendente, uma vez que apenas 20% da população brasileira possui escolaridade mínima obrigatória (ensino fundamental e ensino médio). Para 80% dos brasileiros, o ensino fundamental completo garante somente um nível básico de leitura e de escrita.
No mundo todo há entre 800 e 900 milhões de analfabetos funcionais, ou seja, uma camada de pessoas com menos de quatro anos de escolarização; mas pode-se encontrar também neste meio, pessoas com formação universitária e exercendo funções-chave em empresas e instituições, tanto privadas quanto públicas. Entre suas características, não têm as habilidades de leitura compreensiva, escrita e cálculos para fazer frente às necessidades de profissionalização e tampouco, da vida sociocultural às necessidades de profissionalização.
Muito se tem que fazer para reverter esse quadro, mas algumas iniciativas como a criação de bibliotecas comunitárias pelo país tem tido resultados significativos e atraído um público cada vez maior para o mundo da leitura.
FONTE: Kátia Ferraz. Revista Geografia.