quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Não gostei muito do resultado final dessa crônica, mas vá lá... rs


A une passant.

PISAVAS OS ASTROS DISTRAÍDA

Ah, as mulheres que passam pela nossa vida... (Pra pronunciar essa frase saudosista, todo homem deve estar sentando naquela velha poltrona, à meia-luz, com uma taça de vinho, ouvindo Sinatra). Eu quero dizer as mulheres que, literalmente, passaram pela vida de um homem. Não, não aquelas que dividiram sonhos, esperanças, lágrimas ou a mesma escova de dente e depois partiram, deixando um gosto acre ou doce nas nossas bocas. Me refiro às que observamos de relance no ônibus, no teatro, na rua... e nos arrebatam de tal forma a ponto de nos sentirmos dilacerados pela flecha de algum anjinho barroco invisível.

Aliás, a palavra “arrebatamento” é ótima pra descrever esse tipo de epifania. Ao mesmo tempo em que significa “atrair”, “enlevar” e “extasiar” também quer dizer “roubar” ou “tomar violentamente”. De certa forma, alguma coisa em nós é tirada à força. Algo se perde. Talvez uma parte daquilo a que chamamos coração. Não sei. Ficamos incompletos porque aquela beleza, ao passar, subtrai algo nosso que seguirá com ela pra sempre. Sabemos que nunca mais a veremos, mas não importa: ela já nos tem submissos encantados.

Há poucos dias, mexendo em velhas fotos, me deparei com uma antiga fotografia. Era a imagem de uma sacada vazia. Explico: eram férias. Ubatuba. Foi tirada do apartamento de uma tia. Na varanda do prédio ao lado, uma tarde, ela apareceu. Ficou sentada à bancada. Mesmo passados tantos anos, ainda me lembro daquele short vermelho, das coxas nuas, o top branco, os cabelos ao vento. Ela olhava as montanhas, as nuvens e o Sol que se punha. Eu fechava os olhos na esperança daquele mesmo vento trazer um pedacinho do seu perfume. Ela nem sequer me notou. Nunca mais a vi (embora eu tenha voltado muitas tardes àquele mesmo lugar). Daí a foto. Não sei muito bem porque a tirei. Talvez pra enfatizar a ausência. Ou tentar congelar no tempo aquela sensação. Foi o que restou: a foto de uma sacada vazia. E essa sacada vazia sempre me acompanhou.

Irresistível não lembrar do grande poetinha Vinícius de Moraes. É dele o poema A mulher que passa: “Como te adoro, mulher que passas / Que vens e passas, que me sacias / Dentro das noites, dentro dos dias! / Por que me faltas, se te procuro? / Por que me odeias quando te juro / Que te perdia se me encontravas / E me encontravas se te perdias?” E como esquecer a famosa mulher que vem e que passa naquele igualmente famoso doce balanço, não é mesmo?

No entanto, a minha citação favorita é um dos pontos altos do mítico filme Cidadão Kane (1941), do Orson Welles. Após a morte do protagonista do título - um magnata dos meios de comunicação -, um repórter vai entrevistar o presidente do conselho das empresas do milionário. Ele quer saber o motivo da última palavra pronunciada pelo falecido: “Rosebud”. O velho, Mr. Bernstein, levanta a hipótese de se tratar do nome de uma mulher da juventude de Kane. O jornalista duvida que um cara se lembre de uma mulher passados cinqüenta anos! Ouve como resposta:

“— A gente se lembra de muito mais coisas do que se supõe. Eu, por exemplo: um dia lá pelo ano de 1896 ia para Jersey numa balsa. Ao descer, cruzaríamos com os viajantes de volta. Entre eles, estava uma jovem vestida de branco, levava uma sombrinha branca. Aquela visão durou um segundo e ela nem sequer me viu. No entanto, lhe garanto que não passou um mês a partir de então, sem que eu tenha deixado de pensar nela.”

Pra inaugurar o blog, posto a minha crônica que foi publicada na revista "Vip", da ed. Abril, em janeiro de 2007.

COMEU?

Está na Bíblia: “Vamos comer e beber, pois amanhã morreremos”. Não pretendo me ater às divagações etílicas, e sim às delícias da gastronomia. E mais: quero tratar da arte de cozinhar para uma mulher. O ato de preparar uma boa comida (no sentido culinário da coisa) para um belo espécime feminino é uma arma de sedução tão poderosa quanto aquele olhar morteiro, aquele sorriso malicioso ou aquele cartão de crédito sem limites.

Aliás, sexo e gastronomia sempre caminharam juntos. São instintos básicos do homem que se relacionam. Duvida? Prova disso são as palavras que usamos para ambos os universos. Ou vai me dizer que só usa termos como “morder”, “esquentar”, “lamber”, “chupar” e “comer” só na sua cozinha ou na sua sala de jantar? Se disser que sim, você só pode ser o sobrinho-neto da madre Tereza ou algum político do PT (que sempre é inocente).

Quando cozinhamos, mobilizamos os cinco sentidos humanos. Assim como quando fazemos amor. Relembre comigo: olfato, paladar, tato, visão e audição. O aroma tentador da cebola e do alho refogados; o cheiro provocante de uma mulher apaixonada. O sabor de um vinho brincando na boca; o gosto de uma boca brincando na nossa. A textura ardente de uma maçã verde; os contornos macios de um seio maduro. A comida disposta no prato; a mulher disposta na cama. O som da comida que se faz; o som do amor que se produz.

Ouvi dizer, inclusive, que, em sânscrito – quem for especialista, me corrija, por favor – existe um único termo para definir as palavras “emoção” e “fome”. Até na iconografia cristã isso aparece. Se pegarmos o episódio da “Última Ceia”, em que Cristo divide o pão com os apóstolos, percebemos que Ele, ao mesmo tempo, pratica um ato culinário e de amor. Também em Jesus, comida e amor são inseparáveis. Divina sabedoria.

Por falar nisso, já dizia o poetinha maior Vinícius de Moraes: “para viver um grande amor, conta pontos saber fazer coisinhas, ovos mexidos, camarões, sopinhas, molhos, filés com fritas – comidinhas para depois do amor.” Se a culinária é infalível no “antes” (com o pacote completo, é claro: você de mangas arregaçadas, taça de vinho ao lado e a mesa posta, à luz de velas), o que não dirá no “depois”, em que saciamos, dessa forma, ambas as fomes. A comida (no sentido culinário da coisa, repito!) também é ótima no “durante”. O Mickey Rourke e a Kim Basinger não me deixam mentir.

O fato é: mulher adora homem que sabe cozinhar. Hoje já faz parte do charme masculino e é tão galanteador quanto abrir a porta do carro para ela ou pagar a conta do restaurante. Se você não sabe tocar violão, recitar poemas, não tem um porshe e nem se parece com o Brad Pitt, saber cozinhar é uma ótima pedida para despertar o interesse daquela gata ou, então, para iniciar um papo promissor. “Esse cabernet seria perfeito para acompanhar o fondue que eu preparo”; “Hum... esse paillard de filé ficaria ótimo com o meu ‘risotto di formaggi’!”. E se você ouvir como resposta: “Nossa, você cozinha?”, ela mordeu a isca. Só lhe resta perguntar:

— Na sua cozinha ou na minha?