terça-feira, 15 de março de 2011

Vigília

VOCÊ TEM baixa autoestima? Se sua resposta for "não", provavelmente se enganou.
Por quê? Porque todo mundo tem baixa autoestima por razões óbvias: falta de grana, de afeto, de saúde. E corpo e alma são feitos de grana, afeto e saúde.
Esse tripé é a chave para os aproveitadores do sobrenatural "acertarem" com frequência suas consultas sobre o destino de suas vítimas.
Resumindo a dor humana, tudo cabe nesse tripé. Basta atirar numa dessas razões óbvias, seguindo alguns critérios de como o cliente se apresenta, que a chance de acertar é grande.
Quase sempre o cliente é mulher, dizem os especialistas. Os homens seriam mais céticos. Por quê? Porque, dizem, "almas femininas" são mais dadas a crenças ingênuas. Eu cá tenho minhas dúvidas sobre isso porque conheço mulheres que deixam qualquer assaltante de banco assustado pela frieza com a vida.
Se for jovem, menos chance de ser doença, a menos que seja na família (neste caso, a menina tem que ter uma carinha de madre Tereza de Calcutá, do contrário, o que é mais provável, é quase sempre amor, porque meninas só pensam em meninos, graças a Deus).
Se for mais velha, saúde pode ser uma boa pedida. Mas, se estiver mal vestida, grana pode ser a causa também. Quando falta grana, a saúde normalmente falta também. Ou faltará.
Mas divago. Voltemos à miséria da baixa autoestima.
O mercado da autoestima cresce com livros e treinamentos e conferências para motivação e assertividade. O efeito dura uns dois dias, dependendo do estado de espírito. Se a dor for muito grande, a dependência da autoajuda poderá se tornar um vício.
Eu, que sou um medieval em matéria de natureza humana (afora alguns trágicos modernos), confio mais nos antigos e medievais, justamente porque não temiam ver o ser humano como um miserável em termos de autoestima.
Como o pensamento moderno e contemporâneo é um pensamento "para um mundo melhor", só pode virar autoajuda.
Entre outros, adoro santo Agostinho (354 d.C.-430 d.C.). Meus alunos, moçada de 18 ou 19 anos, da elite econômica, leem santo Agostinho. Eles discutem pecado, graça, inferno, o Mal, Deus, mito de Adão e Eva e afins.
E sem qualquer um desses "recursos didáticos" inventados para o professor não ter que dar aula ou não ter que entender do assunto.
Quase toda a pedagogia "moderna" é blá-blá-blá. E grande parte dos problemas da sala de aula é fruto da baixa vocação dos professores e do fato de que grande parte dos estudantes não tem nenhuma vocação para aprender qualquer coisa além do que interessa para garantir um lugar no mercado de trabalho.
Inteligência sempre foi uma maldição de poucos e isso nada tem a ver com grana ou com você ser uma pessoa moralmente legal. A falta de grana apenas ajuda a esmagar você mais rápido, o que piora se você for uma pessoa mais sensível.
Baixa autoestima é a regra do mundo. Todo adulto sabe disso. No trabalho, no corpo, na alma. Mas ficou na moda dizer que todo mundo é "maravilhoso!".
Voltando a um dos meus santos favoritos, santo Agostinho. Segundo dizem, ele não era um cara fácil. É sempre assim com os santos: nunca são santinhos.
Entendia de ser humano. Sabia que no fundo da alma habita o medo da tristeza e do fracasso, inevitáveis quando se é mortal (em todos os sentidos do termo).

Ao contrário do que se diz, quando acreditamos nesse blá-blá-blá de "amar a si mesmo", afundamos na miséria da baixa autoestima, porque conhecemos no silêncio de nós mesmos as baixarias que compõem a substância de nossa alma. Dentro de cada um de nós habita um demônio em vigília.
"Autoestima" é um termo contemporâneo, mas cabe bem na reflexão agostiniana sobre a vaidade como prisão psicológica.
Existe coisa mais brega do que querer amar a si mesmo? Amar a si mesmo é vão.
Uma pérola de santo Agostinho para começar sua semana: se você quiser ser livre, ame. Isso aí: não é buscando ser amado que escapamos da miséria da baixa autoestima, mas amando. Qualquer egoísta pode ser amado.
Os melhores dias da minha vida são aqueles em que eu não lembro que existo. 
PONDÉ, Luiz Felipe.  Folha de S. Paulo, 14 mar. 2011.

domingo, 13 de março de 2011

sexta-feira, 11 de março de 2011

DJ, fotógrafo, chef, modelo & ator

NÃO SE SABE quando a arte se tornou peça de colecionador. Presente de forma ritual em qualquer sociedade antes mesmo do alfabeto, um dia ela passou a ser cultuada. Bom para os artistas, que conseguiam destaque social ao serem apadrinhados pelos poderosos para forrar paredes com seus quadros ou enfeitar festas com sua música, dança e comida.
Mas como bem o sabem tantos meninos aspirantes a jogador de futebol, o talento só se desenvolve quando acompanhado de muito treino. Mesmo o jovem Mozart, que encantava a corte com a sua habilidade, só compôs obras-primas quando chegou perto dos 30.
A prática leva à perfeição, mas ela é muito chata. Os filmes e séries de TV ambientados em tribunais e ambulatórios não seriam tão populares se mostrassem o tempo que se passa em bibliotecas e laboratórios. Quem imagina reger uma orquestra ou tocar um instrumento não pensa em se dedicar várias horas por dia a essas atividades. Calos e bolhas não são sexy, consumir arte sempre exigiu menos trabalho e dedicação do que ser artista.
Um dia essa situação mudou. As seitas da autoajuda e do faça-você-mesmo se encontraram com a indústria de software na busca por remover o "problema" da prática e "democratizar" o talento. Com uma mãozinha dos computadores, todos ficaram livres para exprimir suas ideias. Não era mais preciso saber desenhar para ser designer, fotógrafos podiam abrir mão dos laboratórios, músicos de seus instrumentos, diretores das ilhas de edição e assim por diante.
Até mesmo quem dependesse de seu corpo como ferramenta podia usar câmaras e efeitos especiais para compensar deficiências.
Tudo seria ótimo se o resultado pudesse ser medido. Mas como não há cor, tom, cheiro ou gosto absolutos, não há parâmetro. Isso faz com que muitos se tornem autodidatas pragmáticos, que se desviam de qualquer obstáculo em nome de seu "estilo". Contestar uma prática sempre foi mais fácil do que segui-la.
A tecnologia não elimina restrições, só muda sua natureza. Um artista sério continua a precisar de muito conhecimento, treino e, principalmente, de boas referências. As limitações sempre estimularam a prática e o apuro da técnica. Quando são eliminadas, surge a impressão de que é fácil fazer arte. E de que é possível se destacar em várias especialidades.
As ferramentas criativas tornaram a expressão quase compulsória. Leonardo da Vinci ficaria chocado ao perceber que hoje teria que falar como intelectual, escolher vinhos como enólogo, cozinhar como gourmet, cantar como Frank Sinatra e dançar como John Travolta para ser "descolado".
O resultado dessa demanda fica visível nas crises de autoestima, nas epidemias de depressão e nos transtornos de atenção. Seu efeito colateral não é uma sociedade mais criativa, mas uma composta por gente insatisfeita, egocêntrica, desorientada, insegura e sem critério. Para suprir as necessidades de expressão, muitos buscam no entretenimento pop manifestações de consumo fácil, sem justificativas. Assim se entende o sucesso do Justin Bieber ou do "Big Brother". Quando todos estão conectados, as diferenças se igualam pela média. É Arquimedes na prática.
RADFAHRER, Luli. Folha de S. Paulo, 9 mar. 2011.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Carnaval 2011

Folha de S. Paulo, 6 mar. 2011.