quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Vai, ano velho

"Vai, ano velho, vai de vez
vai com tuas dívidas
e dúvidas, vai, dobra a ex-
quina da sorte, e no trinta e um,
a meia noite, esgota o copo
e a culpa do que nem lembro
e me cravou entre janeiro e dezembro.

Vai, leva tudo: destroços,
ossos, fotos de presidentes,
beijos de atrizes, enchentes,
secas, suspiros, jornais.
Vade retrum, pra trás,
leva pra escuridão
quem me assaltou o carro,
a casa e o coração.
Não quero te ver mais,
só daqui a anos, nos anais,
nas fotos do nunca-mais.

Vem, Ano Novo, vem veloz,
vem em quadrigas, aladas, antigas
ou jatos de luz moderna, vem,
paira, desce, habita em nós,
vem como cavalhadas, folias, reisados,
fitas multicolores, rebecas,
vem com uva e mel e desperta
em nosso corpo a alegria,
escancara a alma, a poesia,
e, por um instante, estanca
o verso real, perverso
e sacia em nós a fome
- de Utopia.

Vem na areia da ampulheta com a
semente que contivesse outra se-
mente que contivesse ou-
tra semente ou pérola
na casca da ostra
como se
se
outra se-
mente pudesse
nascer do corpo e mente
ou do umbigo da gente como o ovo
o Sol a gema do Ano Novo que rompesse
a placenta da noite em viva flor luminescente.

Adeus, tristeza: a vida
é uma caixa chinesa
de onde brota a manhã.
Agora
é recomeçar.
A utopia é urgente.
Entre flores e urânio
é permitido sonhar."

Affonso Romano de Sant'Anna

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Gastrossexual

Homem "pilota fogão" para seduzir mulheres Fazer pratos mais elaborados para impressionar garotas agora é coisa de "macho"

Homens que cozinham são chamados de gastrossexuais por instituto britânico; 48% afirmam que habilidade os torna mais atraentes

Patrícia Stavis/Folha Imagem

O advogado Cacaio Bentivegna, para quem saber cozinhar ajudou a conquistar a atual namorada

ALEXANDRE NOBESCHI
DA REDAÇÃO

Aquele cara que oferece um jantar em casa no lugar de ir a um restaurante faz parte de um novo grupo de galanteadores. Eles se valem da afinidade que têm com fogão e panelas - além de um sem-número de parafernálias que adoram exibir - para arrebatar corações incautos.
Os chamados gastrossexuais formam o que uma pesquisa britânica apontou como "homens bem resolvidos que têm como hobby fazer pratos elaborados". De quebra, tentam fisgar o alvo pelo estômago, como a tática empregada pelo personagem interpretado pelo ator Matthew McConaughey no longa "Como Perder um Homem em Dez Dias".
Na história, o publicitário "pegador" prepara um cordeiro para mostrar seus encantos à garota com quem está saindo e, assim, levá-la para a cama. A estratégia só não tem o efeito desejado por um capricho dela.
"Já usei a cozinha para sair com alguém sim. Enquanto cozinho, vou conversando, tomando alguma coisa. A gente usa todas as armas que tem", diz o editor de arte Flávio Soares, 35. "Quando um homem diz que sabe cozinhar, a expressão no rosto delas muda."
A pesquisa do instituto britânico Future Foundation, feita com mil homens no Reino Unido, mostra que 48% dos entrevistados dizem que ser capaz de cozinhar os torna mais atraentes para as mulheres.
A explicação para isso, segundo Carmita Abdo, coordenadora Projeto Sexualidade do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, não está ligada somente ao aspecto gastronômico.
"O homem que cozinha passa uma imagem de ser menos machista, menos ligado aos valores tradicionais, menos preconceituoso, mais carinhoso e mais atento às novas tendências", afirma Abdo. "A sedução ocorre por ele ser uma pessoa agradável, porque serve, dá um presente, oferece algo que ele próprio elaborou, que deu um pouco de si para fazê-lo."
Numa escala de homens ideais, os gastrossexuais estariam muito bem cotados, afirma o terapeuta sexual Haruo Okawara. "As mulheres hoje não têm muito tempo para cozinhar ou não gostam de cozinhar. Quando eles sabem cozinhar, isso desperta um fascínio nas mulheres", diz.
O advogado Cacaio Bentivegna, 37, conta que sua atual namorada foi conquistada com a ajuda de um café da manhã especial que preparou para ela um dia após se conhecerem. "Passamos o dia juntos e, no dia seguinte, começamos oficialmente a namorar."

Divisão de tarefas
A chegada dos homens à cozinha começou timidamente, em 1961. À época, de acordo com a pesquisa, o tempo que eles gastavam em tarefas no "território feminino" era de meros cinco minutos por dia. Em 2005, os homens já dispensavam 27 minutos por dia entre fogão e panelas.
O fato de o homem ter se tornado um habituê da cozinha tem a ver, entre outros fatores, com a chegada da mulher ao mercado de trabalho e a divisão de tarefas de casa, diz Abdo.
"O homem começou a cozinhar porque precisava dividir as obrigações de cuidar da casa com a mulher e acabou tomando gosto pela cozinha. O homem sente prazer em preparar a comida, mas ainda tem resistência em lavar o que sujou."
Na lista dos porquês que levam os homens a envergarem um avental, mais hoje que no passado, aparece também -além da chance de impressionar uma pretendente- a necessidade, por serem solteiros, e o tal do "nesting" (aninhar-se, em tradução livre). Esse último resulta na reunião de um grupo de amigos que degustam pratos elaborados em casa.
Para alguns homens, o convescote é um grande evento de exibição, tanto de suas habilidades quanto de seus apetrechos. "Acredito que é da natureza masculina gostar de se mostrar. Cozinhar é uma forma de "exibicionismo" bem recebida pelos demais", diz Alessandro Nicola, professor do curso de gastronomia do Senac.

Jantar romântico começa na feira livre

Para o chef mexicano Hugo Delgado, escolha dos ingredientes nos mercados "ajuda a despertar os sentidos" dos casais

Cozinha é o "cômodo G" das casas e um dos "caminhos da sedução", diz mexicano que ensina a fugir do trivial, como ostras e chocolates

DA REDAÇÃO

"Cozinhar é um dos muitos caminhos da sedução", diz o mexicano Hugo Delgado, chef do restaurante Obá, de SP.
Convidado pela Folha a elaborar o roteiro de um "jantar [ou almoço] sedutor", Delgado diz que, "no lugar do típico sair para comer", a proposta é começar o dia com uma visita a uma feira livre, para só depois cozinharem juntos em casa.
"O carinho começa na escolha dos ingredientes", afirma ele. "Cozinhar é uma atividade sensorial, e as feiras livres, com suas cores, seus sabores e texturas, despertam os sentidos."
Para ele, a oportunidade de ir à feira é uma chance de fazer algo transgressor para algumas pessoas: "Dividir um pastel hoje é um convite para esquecer a dieta da semana e abrir a possibilidade do pecado".

Cardápio
Em casa, o ideal é compartilhar -uma música, uma bebida- e preparar algo simples. Aos 20 anos, afirma o chef, "é tesudo impressionar [com um prato elaborado]; aos 40 anos, é muito sexy dividir".
Delgado diz que uma comida que seja afrodisíaca é bem recebida, mas não é obrigatória. A receita do chef é até simples, para aqueles que têm um mínimo de intimidade com a cozinha. Macarrão com aspargos frescos e, de sobremesa, morangos com aceto balsâmico. "Há coisas que são óbvias demais, como ostras e chocolate. Fugir delas ajuda."
A mesa também dispensa arranjos rebuscados. "Em vez de chegar com as flores, quase implorando por um agradecimento, coloque-as em um vasinho sobre a mesa. Agora, elas aparecem sigilosamente. O momento as merece."
Gastrossexuais ou não, Delgado diz acreditar que cada vez mais os homens têm descoberto que a cozinha pode ser o "cômodo G da anatomia de nossas casas e apartamentos".

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Solange: a Gaga de Ilhéus

Descobri esse vídeo hoje e, a cada hora em que o assisto, caio na gargalhada!

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Crônica do amor

Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem, caso contrário os honestos, simpáticos e não fumantes teriam uma fila de pretendentes batendo a porta.
O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo, por conjunção estelar.
Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca.
Ama-se pelo tom de voz, pela maneira que os olhos piscam, pela fragilidade que se revela quando menos se espera.
Você gosta de rock e ela de chorinho, você gosta de praia e ela tem alergia a sol, você abomina Natal e ela detesta o Ano Novo, nem no ódio vocês combinam. Então? Então, que ela tem um jeito de sorrir que o deixa imobilizado, o beijo dela é mais viciante do que LSD, você adora brigar com ela e ela adora implicar com você. Isso tem nome.
Você ama aquele cafajeste. Ele não emplaca uma semana nos empregos, está sempre duro, e é meio galinha.
Quando a mão dele toca na sua nuca, você derrete feito manteiga. Por que você ama este cara?Não pergunte pra mim, você é inteligente. Lê livros, revistas, jornais.
Gosta dos filmes dos irmãos Coen e do Robert Altman, mas sabe que uma boa comédia romântica também tem seu valor.
Gosta de viajar, de música, tem loucura por computador e seu fettucine ao pesto é imbatível.
Você tem bom humor, não pega no pé de ninguém e adora sexo. Com um currículo desse, criatura, por que está sem um amor?
Quem dera o amor não fosse um sentimento, mas uma equação matemática: eu linda + você inteligente = dois apaixonados.
Não funciona assim.
Ama-se justamente pelo que o Amor tem de indefinível.
Mas ninguém consegue ser do jeito que o amor da sua vida é!

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Eleição


Foto tirada pelo celular numa rua de Alfenas...
Vamos botar na Precheca! Quer dizer, vamos votar no Precheca!!!

Intrigante...

sábado, 16 de agosto de 2008

Carla Bruni - "Ma Jeunesse"

Tava ouvindo o último CD da Carla Bruni, Comme si de rien n'était, e achei encantadora essa primeira música.


Dans ma jeunesse il y a des rues
dangereuses
Dans ma jeunesse il y a des villes
moroses
Des fugues au creux d'la nuit
silencieuse

Dans ma jeunesse quand tombe le
soir
C'est la course à tous les espoirs
Je danse toute seule devant mon
miroir

Mais ma jeunesse me regarde
sérieuse elle me dit:
"Qu'as-tu fait de nos heures?
Qu'as-tu fait de nos heures précieuses?
Maintenant souffle le vent d'hiver"

Dans ma jeunesse il y a de beaux
départs
Mon coeur qui tremble au moindre regard
L'incertitude au bout du couloir

Dans ma jeunesse il y a des interstices
Des vols planés en état d'ivresse
Des atterissages de détresse

Mais ma jeunesse me regarde sévère
Ele me dit:
"Qu'as-tu fait de nos nuits?
Qu'as-tu fait de nos nuits d'aventure?
Maintenant le temps reprend son pli"

Dans ma jeunesse il y a une prière
Une prouesse à dire ou à faire
Une promesse, un genre de mystère
Dans ma jeunesse, il y a une fleur
Que j'ai cueillie en pleine douceur
Que j'ai saisie en pleine frayeur

Mais ma jeunesse me regarde cruelle
Ele me dit: "C'est le temps du départ"
Je retourne à d'autres étoiles
Et je te laisse la fin de l'histoire

Mais ma jeunesse me regarde cruelle
Ele me dit: "C'est le temps du départ"
Je retourne à d'autres étoiles
Et je te laisse la fin de l'histoire.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Gregório de Matos e o amor


O Amor é finalmente
um embaraço de pernas,
uma união de barrigas,
um breve tremor de artérias.
Uma confusão de bocas,
uma batalha de veias,
um reboliço de ancas,
quem diz outra coisa, é besta.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

domingo, 13 de julho de 2008

As frases e o silêncio

Trechinho de um conto do Tchekov (Inimigos), que li hoje de manhã ao caminhar:

De um modo geral, a frase, por bela e profunda que seja, impressiona só os indiferentes, mas nem sempre pode satisfazer aqueles que são felizes ou desgraçados; é por isso que a mais alta expressão da felicidade ou da infelicidade é quase sempre o silêncio; os enamorados se entendem melhor quando se cala, e o discurso ardente , apaixonado, proferido sobre uma sepultura, comove somente os estranhos, porém, à viúva e aos filhos do falecido ele parece frio e mesquinho.

Ah, se aqui fosse assim...

Do tédio


Em certo ponto do romance O Vermelho e o Negro, de Stendhal, um dos personagens - o príncipe Korasoff - censura a tristeza do herói, Julien Sorel, explicando-lhe que

o ar triste não pode ser de bom tom; o que é necessário é o ar entediado. Se você está triste, há alguma coisa que lhe falta, alguma coisa que você não conseguiu. É mostrar-se inferior. Se você está entediado, ao contrário, o que é inferior é aquilo que em vão tentou agradá-lo.

Mãe é mãe

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Amores silenciosos

CONTARDO CALLIGARIS



A gente se declara apaixonado porque está apaixonado ou pelo prazer de se apaixonar?

FAZER E RECEBER declarações de amor é quase sempre prazeroso. O mesmo vale, aliás, para todos os sentimentos: mesmo quando dizemos a alguém, olho no olho, "Eu te odeio", o medo da brutalidade de nossas palavras não exclui uma forma selvagem de prazer.
De fato, há um prazer na própria intensidade dos sentimentos; por isso, desconfio um pouco das palavras com as quais os manifestamos. Tomando o exemplo do amor, nunca sei se a gente se declara apaixonado porque, de fato, ama ou, então, diz que está apaixonado pelo prazer de se apaixonar.
Simplificando, há duas grandes categorias de expressões: constatativas e performativas.
Se digo "Está chovendo", a frase pode ser verdadeira se estamos num dia de chuva ou falsa se faz sol; de qualquer forma, mentindo ou não, é uma frase que descreve, constata um fato que não depende dela.
Se digo "Eu declaro a guerra", minha declaração será legítima se eu for imperador ou será um capricho da imaginação se eu for simples cidadão; de qualquer forma, capricho ou não, é uma frase que não constata, mas produz (ou quer produzir) um fato. Se eu tiver a autoridade necessária, a guerra estará declarada porque eu disse que declarei a guerra. Minha "performance" discursiva é o próprio acontecimento do qual se trata (a declaração de guerra).
Pois bem, nunca sei se as declarações de amor são constatativas ("Digo que amo porque constato que amo") ou performativas ("Aca- bo amando à força de dizer que amo"). E isso se aplica à maioria dos sentimentos.
Recentemente, uma jovem, por quem tenho estima e carinho, confiava-me sua dor pela separação que ela estava vivendo. Ao escutá-la, eu pensava que expressar seus sentimentos devia ser, para ela, um alívio, mas que, de uma certa forma, seria melhor se ela não falasse. Por quê?
Justamente, era como se a falta do namorado (de quem ela tinha se separado por várias e boas razões), a sensação de perda etc. fossem intensificadas por suas palavras, e talvez mais que intensificadas: produzidas.
É uma experiência comum: externamos nossos sentimentos para vivê-los mais intensamente -para encontrar as lágrimas que, sem isso, não jorrariam ou a alegria que talvez, sem isso, fosse menor. Nada contra: sou a favor da intensidade das experiências, mesmo das dolorosas. Mas há dois problemas.
O primeiro é que o entusiasmo com o qual expressamos nossos sentimentos pode simplificá-los. Ao declarar meu amor, por exemplo, esqueço conflitos e nuances. No entusiasmo do "te amo", deixo de lado complementos incômodos ("Te amo, assim como amo outras e outros" ou "Te amo, aqui, agora, só sob este céu") e adversativas que atrapalhariam a declaração com o peso do passado ou a urgência de sonhos nos quais o amor que declaro não se enquadra.
O segundo problema é que nossa verborragia amorosa atropela o outro. A complexidade de seus sentimentos se perde na simplificação dos nossos, e sua resposta ("Também te amo"), de repente, não vale mais nada ("Eu disse primeiro").
Por isso, no fundo, meu ideal de relação amorosa é silencioso, contido, pudico.
Para contrabalançar os romances e filmes em que o amor triunfa ao ser dito e redito, como um performativo que inventa e força o sentimento, sugiro dois extraordinários romances breves, de Alessandro Baricco, o escritor italiano que estará na Festa Literária Internacional de Parati, na próxima semana: "Seda" e "Sem Sangue" (ambos Companhia das Letras).
Nos dois, a intensidade do amor se impõe com uma extrema economia de palavras ("Sem Sangue") ou sem palavra nenhuma ("Seda"). Nos dois, o silêncio permite que o amor vingue -apesar de ele não poder ser dito ou talvez por isso mesmo.
No caso de "Seda": te amo em silêncio porque te encontro ao limite extremo de uma viagem ao fim do mundo, indissociavelmente ligada a um outro, e nem sei falar tua língua.
Você me ama em silêncio porque sou outro: uma aparição efêmera, uma ave migrante.
No caso de "Sem Sangue": te amo, e não há como falar disso porque te dei e te tirei a vida. E você me ama pelas mesmas razões pelas quais poderia e deveria querer me matar (os leitores entenderão).
Nos dois romances, a ausência da fala amorosa acaba sendo um presente que os amantes se fazem reciprocamente, uma forma extrema (e freqüentemente perdida) de respeito pela complexidade de nossos sentimentos e dos sentimentos do outro que amamos.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

No ônibus com Danuza


Voltando de Sampa, nessa semana, peguei pra ler no caminho essa biografia da Danuza Leão. Já havia lido as biografias do Samuel Wainer, do Rubem Braga, do Antônio Maria... Sem contar os livros do Ruy Castro sobre a Bossa Nova e o Rio de Janeiro. Danuza estava em todos! Natural, então, que eu a lesse.
Ela esteve presente em momentos fantásticos da cultura e da política do Brasil e do mundo. Além disso, a prosa dela é bem fluente e envolve. Muito agradável. E seus comentários, como o que segue, são bem saborosos:

Foram quase quatro anos de paixão intensa [sobre a relação com Antônio Maria]. Se fui feliz?
E o que tem isso a ver com a paixão? A paixão faz sofrer, é sombria, trágica, exclui totalmente a felicidade, não é feita para durar e não costuma acabar bem, o que eu não sabia na época; meu pai, sim, sabia, e sabia também que não adiantava me dizer o que previa: que não ia durar. Nessas horas, não adianta ninguém dizer nada, pois os apaixonados são cegos e surdos, e assim sempre serão.


Ode à minha pena esquerda

E por falar em José Paulo Paes, tô preparando umas aulas sobre ele. Seus poemas fazem parte da lista de leituras obrigatórias de dois vestibulares: Ufop e Unifal. O poema mais significativo dele, que o crítico David Arrugucci considera o poema-síntese de toda a sua poética, é a ode "À minha perna esquerda".
Cabe esclarecer: José Paulo tinha aterosclerose. O grave problema circulatório o fez abandonar o cigarro (com o qual ainda sonhava mais de dez anos depois de largar o vício), boa parte das bebidas alcoólicas (restou-lhe o vinho branco, tomado moderadamente), quaisquer extravagâncias alimentares, deslocamentos mais arriscados e esforços físicos. Quem o ajudava era a sua esposa Dora.
Com o agravamento da doença, a circulação prejudicada levou à gangrena de uma das pernas. A perna teve de ser amputada. Da doença ficou esse poema notável:

1

Pernas
para que vos quero?
Se já não tenho
por que dançar,
Se já não pretendo
ir a parte alguma.
Pernas?

2

Desço
.........que .....................subo
................desço...... que
........................subo
........................camas
........................imensas.

Aonde me levas
todas as noites
........pé morto
........pé morto?
Corro, entre fezes
de infância, lençóis
hospitalares, as ruas
de uma cidade que não dorme
e onde vozes barrocas
enchem o ar
de p
.....a
.....i
.....n
.....a sufocante
e o amigo sem corpo
zomba dos amantes
a rolar na relva.

........Por que me deixaste
.............................pé morto
.............................pé morto
........a sangrar no meio
........de tão grande sertão?

..............................não
..............................n ã o
..............................N Ã O !

3

Aqui estou,
Dora, no teu colo,
nu
como no princípio
de tudo.

Me pega
me embala
me protege.
Foste sempre minha mãe
e minha filha
depois de teres sido
(desde o princípio
de tudo) a mulher.

4

Dizem que ontem à noite um inexplicável morcego
....assustou os pacientes da enfermaria geral.

Dizem que hoje de manhã todos os vidros do ambu-
....latório apareceram inexplicavelmente sem tampa,
....os rolos de gaze todos sujos de vermelho.

5

Chegou a hora
de nos despedirmos
um do outro, minha cara
data vermibus
perna esquerda.
A las doce em punto
de la tarde
vão-nos separar
ad eternitatem.
Pudicamente envolta
num trapo de pano
vão te levar
da sala de cirurgia
para algum outro (cemitério
ou lata de lixo
que importa?) lugar
onde ficarás à espera
a seu tempo e hora
do restante de nós.

6

esquerda... direita
esquerda... direita
....................direita
....................direita

...Nenhuma perna
...é eterna.

7

Longe
do corpo
terás
doravante
de caminhar sozinha
até o dia do Juízo.
Não há
pressa
nem o que temer:
haveremos
de oportunamente
te alcançar.

Na pior das hipóteses
se chegares
antes de nós
diante do Juiz
coragem:
não tens culpa
(lembra-te)
de nada.

Os maus passos
quem os deu na vida
foi a arrogância
da cabeça
a afoiteza
das glândulas
a incurável cegueira
do coração.
Os tropeços
deu-os a alma
ignorante dos buracos
da estrada
das armadilhas do mundo.

Mas não te preocupes
que no instante final
estaremos juntos
prontos para a sentença
seja ela qual for
contra nós
lavrada:
as perplexidades
de ainda outro Lugar
ou a inconcebível
paz
do Nada.

O artista e sua obra

Lendo um artigo sobre o poeta José Paulo Paes (1926-1998), na revista Piauí, deparei-me com esse belo trecho:

Não há ilação mais difícil do que aquela que aproxima a biografia e a obra de um autor. Numa passagem comovente, falando de Cézanne, Merleau-Ponty diz que o melhor de um artista deve ser buscado na sua obra. É nela que as incapacidades pessoais de alguma forma se redimem, em que os nossos limites fazem vislumbrar algo maior do que se conseguiu ser, e por isso as obras precisam ganhar a luz do dia. Neuróticos renitentes deixaram trabalhos admiráveis. Cézanne, por exemplo. São os pecadores que entendem de salvação. Não os carolas.
Com freqüência – e quem não viveu essa ilusão deixou de entender a si próprio – tendemos a aproximar, até por generosidade, a grandeza de uma obra ao caráter, igualmente nobre, de seu autor. Do mesmo modo, quem não passou por essa desilusão, por essa discrepância tão corrente, deixou de experimentar uma das dissonâncias mais reveladoras da alma humana.


sexta-feira, 13 de junho de 2008

Solteiro e trintão

Reflexões de um dinossauro heterossexual

"Em algum momento, há 50 milhões de anos, um estegossauro deve ter acordado de uma longa noite de sono e descoberto que o mundo estava em silêncio. Onde estava o brontossauro, seu companheiro de copo? Onde estava o tiranossauro, com quem ele saía para caçar? Onde estava o pterodáctilo, que o havia convidado para jogar bola? Todos haviam desaparecido.
Sinto-me da mesma maneira. Como solteiro, heterossexual e com 30 e poucos anos, estou em extinção. Vi meus companheiros sendo caçados, um por um, como baleias-azuis nas águas do Japão. E essa tragédia não está sendo noticiada. Alguém deveria organizar um show beneficente, ou pelo menos gravar uma música beneficente, para nós, os Spurmos - Straight Proud Unmarried Men Over-30 (Orgulhosos Heterossexuais Solteiros Acima dos 30 Anos, em inglês).
Lembro-me do tempo em que eu e meus amigos vagávamos em manada como búfalos dominando as planícies do oeste americano. Mas nosso bando diminuiu e eu tive de baixar minhas expectativas. Não com as mulheres, mas com os homens. Por necessidade, passei a andar com caras de quem jamais teria sido amigo na universidade. Mas preciso de alguém para sair para beber.
Ao contrário do que se possa imaginar, as esposas dos amigos não são os inimigos dos Spurmos. Nós temos um inimigo diferente: os bebês. Os bebês em si não são um problema. É o que os bebês fazem com seus pais. Um amigo meu era uma lenda das festas. Agora, pai de duas crianças, bebe um copo de chope com soda limonada e anuncia a saída do bar às 9 da noite.
Solteiros heterossexuais acima dos 30 anos fazem do mundo um lugar mais interessante. Temos mais experiência que os de 20. Temos sabedoria, perspectiva e clareza. Por sermos solteiros não falamos de crianças. Só por isso já mereceríamos ser aplaudidos. Sem nós, jantares com os amigos morreriam.
Nossa contribuição para a economia não pode ser esquecida. Como trabalhamos há mais tempo, ganhamos mais e economizamos mais. Como não precisamos gastar nada com crianças damos suporte a muitas indústrias importantes: carros de luxo, champanhe, eletrônicos de última geração, restaurantes românticos e caros.
É um estágio da vida para ser encorajado. Podemos fazer o que quisermos, quando quisermos. Mais importante: lembra-se de todas as lindas mulheres que não lhe davam bola quando você tinha 20 anos? Se elas estiverem solteiras, com seus 30 e poucos anos, o desespero provavelmente terá baixado bastante seu nível de exigência para que você tenha uma boa chance."
Ted Sazan, The Times.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Indiana Jones


Vamos direto ao assunto: o filme diverte.
Mas é como aquelas comidas requentadas. Saca aquele macarrão que você faz e depois, mais tarde, tenta requentar? Ainda mantém o sabor, mas já não é a mesma coisa. Harrison Ford ainda mantém o carisma, mas muita coisa mudou desde a última aventura de 1989.
A primeira mudança é percebida na direção de Steven Spielberg. Ele não é o mesmo diretor de sucessos como Contados imediatos do terceiro grau, Tubarão ou E.T. A partir dos anos 90, tenho achado que ele perdeu a mão. Nesses dias, revi o Contatos na TV a cabo e foi uma aula de cinema: a maneira como as personagens são desenvolvidas, a preocupação em criar a atmosfera certa, o carinho ao trabalhar a imagem, o roteiro bem costurado, o argumento instigante...
Vemos essa capacidade de encantar, seduzir e lidar com a câmera em poquíssimos momentos dos filmes de Spielberg feitos a partir dos anos 90. Como, por exemplo, nos 10 minutos iniciais d' O resgate do soldado Ryan. O resto era lixo. A partir daí, o diretor norte-americano só demonstra fagulhas da antiga genialidade. A direção é burocrática.
Outra coisa que tenho notado é a mudança na sua personalidade, que fica registrada nesses filmes mais recentes. Ele tem se tornado um conservador. Não sei se "conservador" seria o termo correto. Talvez "puritano". É algo que percebi (e me desagradou) desde o momento em que, ao lançar a versão restaurada de E.T., substituiu, digitalmente, por walk-talkies, as armas dos agentes do governo quando estes realizam o cerco às crianças, próximo ao final do filme. Ridículo. Lembro-me, também, de uma entrevista em que, no lançamento de I.A. - inteligência artificial, Spielberg disse que pretendia fazer um filme que seus filhos pudessem assistir. Desaparecem, portanto, de seus filmes a violência, os conflitos de consciência, as famílias desajustadas - que, se hoje aparecem desajustadas, encontram a redenção no final -, as personagens deliciosamente cínicas ou imperfeitas e, por isso mesmo, mais humanas.
É isso o que notei nesse Indiana Jones e o reino da caveira de cristal. Indiana é apenas um eco do que foi um dia. Para mim, o encanto dos primeiros filmes estava na tentativa de regastar a figura daqueles velhos heróis dos filmes aventurescos do período entre-guerras (ou mesmo depois). Era uma variação do bom e velho herói romântico, que tem como ícone máximo, no cinema, o ator Humphrey Bogart.
Trata-se do herói de passado obscuro, de espírito ousado, durão, irônico, cético e cínico. Sem contar os corações partidos que ele deixa ao longo do caminho. Mas é claro que, depois, percebemos que esse jeitão meio bruto e desiludido de viver a vida é apenas uma proteção para esconder um homem coração mole, que também tem suas cicatrizes na alma. É por isso que nos apaixonamos por essa personagem.
Um outro ícone do cinema que encarna essa figura é o espião inglês James Bond. É sabido que Steven Spielberg sempre desejou dirigir um filme da série 007. Na impossibilidade, criou, junto com George Lucas, o famoso arqueólogo. É fácil notar as semelhanças entre o Indiana dos dois primeiros filmes e James Bond. Ele é aquele homem durão, egoísta, trapaceiro, amoral e "heart breaker" que adoramos. Uma das cenas mais saborosas de Os caçadores da arca perdida é quando Jones mata um muçulmano que faz malabarismos com um sabre. Para isso, dispara um único tiro. É claro que uma cena dessas nunca apareceria nos filmes recentes de Spielberg (a não ser, é claro, que a personagem seja um vilão!).
A personagem de Harrison Ford, por exemplo, buscava artefatos para satisfação pessoal. Não se preocupava em deixá-los em museus, a ponto de "decorar" sua sala de aula com muitos deles. Ora, isso não cabe no "novo" Indiana Jones! Afinal, um herói tem de ter escrúpulos, não? Em uma cena do novo filme, ele se sente tentado a pegar um objeto histórico, mas o devolve. É sintomático.
Indiana Jones envelheceu. É um senhor bem comportado agora, movido por grandes ideais. Pai amantíssimo. Quer que seu filho estude. Faz declarações de amor. Casa na igreja... Tudo bem família. É o fim da picada! É descaracterizar uma das personalidades mais apaixonantes da história do cinema.
A segunda mudança está no roteiro. Há uma grande diferença entre o primeiro filme, escrito por Lawrence Kasdan e este último, escrito por David Koepp, o mesmo da série Homem-Aranha. O cara é bom, mas aqui escorregou no quiabo. A história não tem pé nem cabeça. Poderia nem ter, se fosse ao menos sedutora. Aí é que está: não seduz. É uma bobagem ao estilo Eram os deuses astronautas, livro escrito em 1968 pelo suíço Erich von Däniken, em o autor especula a possibilidade das antigas civilizações terrestres serem resultados de alienígenas que para cá teriam se deslocado. A idéia poderia até ser interessante se fosse melhor trabalhada, mas é um argumento que não desperta o nosso interesse, a nossa curiosidade.
Outro problema do roteiro é que o filme se perde nas excessivas auto-referências. É algo que percebi ao longo dos filmes da série. Se Caçadores... se levava a sério, aos poucos os filmes seguintes foram descanbando para a autoparódia e para o humor. Isso atinge o ápice nessa última película.
A vilã criada para a aventura, encarnada pela Cate Blanchet, então, nem chega perto dos primeiros vilões da série. E todos sabemos a importância de um bom vilão para fazer uma história funcionar. Ela é apenas uma pedra no caminho do herói para atingir seu objetivo e nada mais. Uma espiã soviética não tem metade do "apelo" de um oficial nazista. Blanchet é uma boa atriz, mas aqui não tem o que acrescentar.
Outra questão é que os filmes iniciais da série eram feitos para um público adulto, saudoso dos velhos heróis e antigas aventuras à la Gunga Din, filme de aventuras dirigido por George Stevens lááááá em 1939 (assistam!). Não sei se me expresso bem, mas filmes desse tipo, apesar de puro divertimento, se levavam a sério. Hoje, os filmes de aventura são feitos para crianças descerebradas. Tratam o público com um bando de imbecis.
Isso não é novidade. A grande crítica de cinema, Pauline Kael, escreveu, há mais de 30 anos, um ensaio em que diz:

As pessoas preferem o óbvio, o aberto, os filmes que não lhes pedem para sentir nada. Se um filme é um sucesso, isso significa sensações garantidas - e sensações sem sentimentos.
E, sobre os roteirista de Hollywood, ela diz logo adiante:

Não pressupõem um espectador ideal - presumem um caipira de olhos vazios, sem alma, ignorante.
Em Indiana Jones e o reino da caveira de cristal, o que importa é o espetáculo digital. É lógico que o computador ajuda, mas, em excesso, torna tudo artificial. Ainda mais quando se sobrepõe à história e ao desenvolvimento das personagens. É o que ocorre, por exemplo, nos três últimos filmes da série Star Wars, a anos-luz de distância da magia da trilogia inicial. Podem me chamar de passadista, mas eram muito mais gostosas as truncagens artesanais.
Enfim, o que posso dizer?
Indiana perdeu a sua alma.

sábado, 24 de maio de 2008

Tchekov

Já que tô numa fase russa de literatura, aproveitei pra iniciar a tão adiada leitura de:



A edição está esgotada. Comprei-a em 2005, mas nunca tinha tido o tempo para lê-la. Na verdade, são dois livros reunidos numa edição em homenagem ao grande escritor russo Tchekov: "Uma viagem à vida do escritor" traz detalhes da vida e dos lugares freqüentados por ele e "Contos traduzidos do russo" reúne os principais contos de Tchekov, como "A Senhora do Cachorrinho", traduzidos pela Tatiana Belinky, direto do russo.

Um aperitivo para quem se interessar:

Depois de dormirem juntos pela primeira vez, Dmitri Dmitrich Gurov e Ana Serguêievna von Dideritz, protagonitas do conto "A senhora com o cachorrinho" (1899), dirigem-se, ao amanhecer, a um vilarejo chamado Oreanda, nos arredores de Yalta, onde sentam-se num banco perto de uma igreja e ficam olhando o mar. "Yalta era quase invisível através da névoa matinal, sobre os cumes das montanhas, nuvens brancas pousavam imóveis", escreve Tchekov no início do trecho famoso, que continua:

"A folhagem não se movia nas árvores, as cigarras gritavam e o ruído monótono e surdo do mar, que chegava de baixo, falava da paz, do sono eterno que nos aguarda. O mesmo ruído soava lá embaixo, quando não existiam nem Yalta, nem Oreanda; ele soa agora e continuará soando da mesma forma indiferente e surda, quando nós não mais existirmos. E nessa constância, nessa total indiferença para com a vida e a morte de cada um de nós, talvez se aloje o penhos da nossa salvação eterna, o movimento incessante da vida na terra, da ininterrupta perfeição. Sentado ao lado da jovem mulher, que, ao alvorecer parecia tão bela, tranqüilizada e encantada em face desse ambiente de conto de fadas - o mar, as montanhas, as nuvens brancas, o céu imenso -, Gurov pensava que no fundo, se considerarmos bem, tudo é maravilhoso neste mundo, tudo, afora aquilo que nós mesmos cismamos e fazemos, quando nos esquecemos dos desígnios mais altos do ser, da nossa dignidade humana."

Ideal para o feriadão

EMBEBEDAI-VOS

“É preciso estar-se, sempre, bêbado.
Tudo está lá, eis a única questão.
Para não sentir o fardo do tempo que parte vossos ombros e verga-os para a terra,
é preciso embebedar-vos sem trégua.
Mas de quê?
De vinho, de poesia ou de virtude, a escolha é vossa.
Mas embebedai-vos.

E se, à vezes, sobre os degraus de um palácio,
sobre a grama verde de uma vala,
na solidão morna de vosso quarto,
vós vos acordardes,
a embriagues já diminuída ou desaparecida,
perguntai ao vento, à onda, à estrela, ao pássaro, ao relógio,
a tudo o que passa, a tudo o que geme, a tudo o que rola, a tudo o que canta, a tudo o que fala, perguntai que horas são;
e o vento, a onda, a estrela, o pássaro, o relógio, vos responderão:
“É hora de embebedar-vos! Para não serdes escravos martirizados do Tempo, embebedai-vos, embebedai-vos sem parar!
De vinho, de poesia ou de virtude: a escolha é vossa.”

BAUDELAIRE, Charles. Pequenos poemas em prosa. Record: São Paulo, 2006. Tradução de Gilson Maurity.

Além do Bem e do Mal

A tese de Ivan Karamázov

Em 21/4/07, o poeta Antônio Cícero escreveu, na Folha de São Paulo, um excelente artigo intitulado A tese de Ivan Karamázov, que aproveito para reproduzir:

Longe de ser o fundamento da ética, a fé em Deus é a condição de relativizar a ética

VOLTA E meia alguém traz novamente à tona a famosa tese de Ivan Karamazov, personagem de Dostoiévski: "Se Deus não existe, tudo é permitido". Acho que muita gente acredita piamente nela e atribui à irreligiosidade da população a constante e inquietante alta dos índices de criminalidade. Será talvez com a intenção de baixar esses índices que os donos ou editores das revistas brasileiras de circulação nacional raramente deixam passar uma semana sem que, ao menos numa das suas revistas, façam propaganda, numa reportagem de capa, da fé e da religiosidade dos brasileiros.
Ora, a tese do personagem de Ivan não resiste a um simples experimento de pensamento. Suponha que me apareça Deus e me ordene matar o meu filho (ou mãe, ou pai, ou irmão, ou amante, ou amigo). Que faria eu? Ponha-se o leitor na minha pele. Não tenho dúvida de que a minha primeira reação -a primeira reação de qualquer pessoa que não tivesse perdido o juízo- seria duvidar do que parecia estar vendo e ouvindo. Eu me beliscaria, para saber se não estava sonhando; suspeitaria estar tendo um surto de loucura, um delírio etc.
Aquilo simplesmente não poderia estar acontecendo. E não poderia estar acontecendo por duas razões: primeiro, porque Deus não costuma aparecer, pelo menos hoje em dia. Quando alguém diz que conversou com Deus -ainda que quem o diga seja o presidente dos Estados Unidos-, suspeita-se imediatamente da sua sanidade mental. De todo modo, eu não obedeceria.
Mas a segunda razão é ainda mais séria. É que, se isso estivesse realmente acontecendo, então Deus me estaria mandando fazer uma coisa má: uma coisa inteiramente, indiscutivelmente, inapelavelmente errada. Ora, não posso contemplar tal hipótese. Logo, isso não poderia estar acontecendo. Eu pensaria antes que, ou não havia ninguém ali, e eu estava simplesmente a delirar, ou havia alguém de fato ali, mas se tratava de um impostor -talvez até de um demônio-, mas não de Deus, pois seria impensável que Deus me mandasse fazer uma coisa errada: e que coisa poderia ser mais errada do que aquela? Em suma, eu não obedeceria.
Mas levemos a coisa ainda mais longe. Suponhamos que, por alguma razão inconcebível, fosse incontornável a evidência de que ali se encontrava Deus. Ouso dizer que, ainda assim, eu não mataria meu filho ou amigo: eu não mataria sequer um estranho. Por quê? Porque seria errado. E seria errado, não por causa dos mandamentos que o próprio Deus decretara, uma vez que, naquele instante, Ele mesmo os estaria revogando, mas simplesmente porque, independentemente de qualquer mandamento, é errado matar uma pessoa. É, portanto, errado matar uma pessoa, ainda que Deus não exista. Logo, ao contrário do que afirma a tese do personagem de Dostoiévski, nem tudo é permitido, ainda que Deus não exista.
O leitor terá sem dúvida lembrado que, na Bíblia (Gn 22), Abraão se encontrou na situação em que me imaginei no experimento de pensamento. Com efeito, Deus pôs Abraão à prova, ordenando-lhe que matasse o seu filho primogênito. Ao contrário de mim (e do leitor que se pôs na minha pele), Abraão se dispôs a obedecer e, quando já havia pegado a faca para sacrificar seu filho, foi impedido por um anjo, enviado por Deus.
Como se sabe, foi sobre esse episódio que Kierkegaard escreveu as páginas impressionantes de "Temor e Tremor". Nelas, ele mostra que, do ponto de vista puramente ético, não se justificaria a prontidão de Abraão. Só a fé -superior, segundo Kierkegaard, à ética, por constituir uma relação individual e absoluta com Deus- justifica a atitude de Abraão. Desse modo, graças à religião, a esfera da ética é relativizada pela da fé.
Sendo assim, devemos inverter a tese de Ivan Karamazov: não só não é verdade que, se Deus não existe, tudo é permitido -já que, como vimos, não é permitido matar-, mas, ao contrário, é se Deus existir que tudo é permitido.
Longe de ser o fundamento da ética, a fé em Deus é a condição de relativizar e, no limite, negar a ética. Isso lembra as palavras do físico norte-americano Steven Weinberg, detentor do Prêmio Nobel de Física: "Com ou sem religião, as pessoas bem-intencionadas farão o bem e as pessoas mal-intencionadas farão o mal; mas, para que as pessoas bem-intencionadas façam o mal, é preciso religião".

Os irmãos Karamázov


Acabei de ler Os irmãos Karamázov, do Dostoiévski.
É um belo romance. Exageros à parte, não é à toa que Freud considerava esse livro o melhor romance da história da literatura.
O crítico Harold Bloom, no seu livro Gênio: os cem escritores mais criativos da história da literatura, que tenho beliscado, diz sobre o autor:

"... Dostoiévski é indispensável: é o satirista aliado a Jonathan Swift, na denúncia do nosso egoísmo, da nossa crueldade, da nossa hipocrisia, acima de tudo da nossa danosa inibição. Não seremos mais os mesmos, após reconhecermos o Homem do Subterrâneo que existe dentro de nós."

O livro foi publicado em 1880, um ano antes da morte do escritor, aos 59 anos. Seu filho único, Aliócha, falecera aos 3 anos de idade, em 1878, e serve de prelúdio para a obra, cujo herói também se chama Aliócha, o irmão caçula.

Pão de queijo


Esse fica bão!

Ingredientes:

- 1 kg polvilho azedo;
- 2 colh. (sobremesa) de sal;
- 1/2 kg de queijo da canastra, ralado;
- 4 xíc. (chá) de leite;
- 2 xíc. (chá) de óleo;
- 6 ovos

Preparo:

Escaldar o polvilho e o queijo com 1 xíc. de óleo e 2 xíc. de leite quente.
Colocar o restante dos ingredientes.
Depois de assado, desligar o forno e aguardar 15 min.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Amor: verso, reverso, converso

Não,
eu não amei as antigas amadas
como deveria, como poderia, como pretendia.
Em vez de um bárbaro africano
era apenas um tropical e descaído Prometeu
atento apenas à mesquinha luz do orgasmo.
Fui perverso, desatento, demasiado encerrado
em meus espelhos.

Affonso Romano de Sant'ana

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Eu sou assim

"Meu mundo é hoje" (Wilson Batista/José Batista), com Paulinho da Viola.

domingo, 4 de maio de 2008

Comercial MercadoLivre

Viciei-me nesse comercial.
A música é uma delícia de ouvir. E, até onde puder apurar, foi composta pela empresa responsável pelo comercial. Não consegui nem achar quem a canta.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Maio de 68

Além dos confrontos entre estudantes contra policiais e soldados nas ruas e universidades da Europa, Maio de 68 foi também o período em que surgiram frases emblemáticas das novas idéias que surgiam. Elas apareceram em pichações, faixas, cartazes, e nas paredes das universidades.

Veja algumas das frases criadas pelos estudantes na época:

Liberdade

"Sejam realistas, exijam o impossível!"

"A imaginação ao poder"

"É proibido proibir"

"As paredes têm ouvidos, seus ouvidos têm paredes"

"Se queres ser feliz, prende o teu proprietário"

"O patrão precisa de ti, tu não precisas dele"

Poder

"Todo poder abusa. O poder absoluto abusa absolutamente"

"Abaixo o realismo socialista. Viva o surrealismo"

Política

"Nós somos todos judeus alemães"

"A política passa-se nas ruas"

"Todo reformismo se caracteriza pela utopia da sua estratégia, e pelo oportunismo da sua tática"

Revolução

"Revolução, eu te amo"

"A revolução deve ser feitas nos homens, antes de ser feita nas coisas"

"Levemos a revolução a sério, não nos levemos a sério"

"Quanto mais amor faço, mais vontade tenho de fazer a revolução.
Quanto mais revolução faço, maior vontade tenho de fazer amor"

Outros temas

"Os limites impostos ao prazer excitam o prazer de viver sem limites"

"O sonho é realidade"

"Acabareis todos por morrer de conforto"

"O sagrado, eis o inimigo"

"Abaixo os jornalistas e todos os que os querem manipular"

"Abaixo o Estado"

"Viva o efêmero"

terça-feira, 29 de abril de 2008

Aquela noite

Hoje, senti saudades do filme Antes do pôr-do-sol (Before Sunset). E me lembrei da Julie Delpy cantando "A Walts for a Night".

Anotação mental: "Preciso comprá-lo, urgente, em DVD".

Dois jovens se encontram, em Paris, nove anos depois de passarem uma noite apaixonados pelas ruas de Viena (vejam Antes do amanhecer).

Adoro casos de amor mal-resolvidos com final feliz.



Let me sing you a waltz
Out of nowhere, out of my thoughts
Let me sing you a waltz
About this one night stand

You were for me that night
Everything I always dreamt of in life
But now you're gone
You are far gone
All the way to your island of rain

It was for you just a one night thing
But you were much more to me
Just so you know

I don't care what they say
I know what you meant for me that day
I just wanted another try
I just wanted another night
Even if it doesn't seem quite right
You meant for me much more
Than anyone I've met before

One single night with you little Jesse
Is worth a thousand with anybody

I have no bitterness, my sweet
I'll never forget this one night thing
Even tomorrow, another arms
My heart will stay yours until I die

Let me sing you a waltz
Out of nowhere, out of my blues
Let me sing you a waltz
About this lovely one night stand.

Ode ao gato

Tava procurando um exemplo de ode pra usar com meus alunos e me deparei com essa daqui do Pablo Neruda, bem traduzida pela Eliane Zagury.

Os animais foram
imperfeitos,
compridos de rabo, tristes
de cabeça.
Pouco a pouco se foram
compondo,
fazendo-se paisagem,
adquirindo pintas, graça vôo.
O gato,
só o gato apareceu completo
e orgulhoso:
nasceu completamente terminado,
anda sozinho e sabe o que quer.

O homem quer ser peixe e pássaro,
a serpente quisera ter asas,
o cachorro é um leão desorientado,
o engenheiro quer ser poeta,
a mosca estuda para andorinha,
o poeta trata de imitar a mosca,
mas o gato
quer ser só gato
e todo gato é gato do bigode ao rabo,
do pressentimento à ratazana viva,
da noite até os seus olhos de ouro.

Não há unidade
como ele,
não tem
a lua nem a flor
tal contextura:
é uma coisa
só como o sol ou o topázio,
e a elástica linha em seu contorno
firme e sutil é como
a linha da proa de uma nave.
Os seus olhos amarelos
deixaram uma só
ranhura
para jogar as moedas da noite .

Oh pequeno imperador sem orbe,
conquistador sem pátria,
mínimo tigre de salão, nupcial
sultão do céu
das telhas eróticas,
o vento do amor
na intempérie
reclamas
quando passas
e pousas
quatro pés delicados
no solo,
cheirando,
desconfiando
de todo o terrestre,
porque tudo
é imundo
para o imaculado pé do gato.

Oh fera independente
da casa, arrogante
vestígio da noite,
preguiçoso, ginástico
e alheio,
profundíssimo gato,
polícia secreta
dos quartos,
insígnia
de um
desaparecido veludo,
certamente não há
enigma na tua maneira,
talvez não sejas mistério,
todo o mundo sabe de ti e pertences
ao habitante menos misterioso
talvez todos acreditem,
todos se acreditem donos,
proprietários, tios
de gato, companheiros,
colegas,
discípulos ou amigos do seu gato.

Eu não.
Eu não subscrevo.
Eu não conheço o gato.
Tudo sei, a vida e o seu arquipélago,
o mar e a cidade incalculável,
a botânica
o gineceu com os seus extravios,
o pôr e o menos da matemática,
os funis vulcânicos do mundo,
a casca irreal do crocodilo,
a bondade ignorada do bombeiro,
o atavismo azul do sacerdote,
mas não posso decifrar um gato.
Minha razão resvalou na sua indiferença,
os seus olhos têm números de ouro.

sábado, 26 de abril de 2008

Dica literária


Comprei, recentemente, o livro O triste fim do pequeno menino ostra e outras histórias. É um livro infanto-juvenil de poemas escrito por um dos diretores de cinema mais criativos da história: Tim Burton. Autor de filmes como Edward Mãos-de-tesoura (que eu adoro).
Ele ilustra e leva pro papel todo aquele seu universo gótico de seres desajustados (no caso, crianças). O título já dá uma boa idéia do que eu estou falando.
O gostoso é que trata-se de um livro inusitado, lírico, engraçado e melancólico ao mesmo tempo. O autor nos poupa da poesia adocicada e pegajosa que reina nesse tipo de publicação. Sem moralismos. Ou finais felizes.
Um dos meus poemas favoritos é "O menino robô", que reproduzo aqui (depois eu coloco mais). Primeiro, a versão original, porque muiita coisa se perde na tradução. Depois, a versão feita pelo Márcio Suzuki (pra quem não lê inglês).

ROBOT BOY

"Mr. and Mrs. Smith had a wonderful life.
They were a normal, happy husband and wife.
One day they got news that made Mr. Smith glad.
Mrs Smith would be a mom,
which would make him a dad!
But something was wrong with their bundle of joy.
It wasn't human at all,
it was a robot boy!
He wasn't warm and cuddly
and he didn't have skin.
Instead, there was a cold, thin layer of tin.
There were wires and tubes sticking out of his head.
He just lay there and stared,
not living or dead.

The only time he seemed alive at all
was with a long extension cord
plugged into the wall.

Mr. Smith yelled at the doctor,
'What have you done to my boy?
He's not flesh and blood,
he's aluminium alloy!'

The doctor said gently,
'What I'm going to say
will sound pretty wild.
But you're not the father
of this strange-looking child.
You see, there still is some question
about the child's gender,
but we think that its father
is a microwave blender.'

The Smiths' lives were now filled
with misery and strife.
Mrs. Smith hated her husband,
and he hated his wife.
He never forgave her unholy alliance:
a sexual encounter
with a kitchen appliance.

And Robot Boy
grew to be a young man.
Though he was often mistaken
for a garbage can."

***
Senhor e senhora Silva levavam uma vida
sossegada.
Vida de gente normal, feliz e bem casada.
Um dia tiveram uma notícia
Que encheu o marido de contentamento:
A mãe esperava um filho,
E ele ia ser pai do rebento!
Mas algo deu errado naquele mar de felicidade.
A criança era... um robô!
Não parecia gente de verdade.
Um bebê nem quente nem fofo, que estranho!
A pele: uma fina e fria chapa de estanho.
Da cabeça lhe saíam antenas e fios.
E ele ficava largado, sempre com olhos parados,
Nem morto nem animado.

Quando até a tomada um longo fio
Elétrico se estendia,
Este era o único momento do dia
Em que ele ficava cheio de energia.

O senhor Silva não conteve os berros:
"O doutor não cometeu um grave erro?
Nem sangue nem carne tem o menino,
Mas é uma simples liga de alumínio!"

O doutor, gentil, lhe respondeu:
"O que vou lhe dizer
Pode parecer extravagante
Mas o senhor não é o pai
Desse garoto mutante.
Veja bem, a questão não é simples
E requer investigação profunda,
Mas achamos que o pai dele
É o forno microondas."

Agora a vida dos Silva
Tornou-se um fardo pesado.
A senhora odiava seu marido,
E ele já não se via mais casado.
Não perdoou a esposa por aquela
Ligação mesquinha:
A união carnal
Com um aparelho de cozinha.

Apesar de tudo, o menino cresceu
E se tornou um robô jovem.

Mas muitas vezes ainda o confundem
Com a lata de lixo da garagem.



sexta-feira, 25 de abril de 2008

Uma gota de Dostoiévski

A respeito dos óculos óculos ridículos do velhinho feliz, narrado abaixo, lembrei-me de um momento d' Os irmãos Karamázov em que o protagonista, Aliócha, diz:

— E que é o ridículo? Sabe-se quantas vezes um homem é ou parece ridículo? Além do mais, atualmente, quase todas as pessoas que têm capacidade temem extremamente o ridículo, o que as torna infelizes. Admiro-me somente de que experimente você isso a tal ponto, se bem que o observe desde muito tempo e não unicamente em sua casa. Atual­mente, adolescentes estão atingidos por esse mal. É quase uma loucura. O diabo encarnou-se no amor-próprio, para apoderar-se da geração atual, sim, o diabo — insistiu Aliócha sem sorrir, como pensava Kólia, que o fixava. — Você é como todos — concluiu ele —, isto é, como mui­tos, somente não se deve ser como todos.

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Cenas de um shopping

CENA 1: Já havia visto esse velhinho na Praça de Alimentação do shopping. É a cara do Jaguar. Cartunista e boêmio. Um dos mitos cariocas. Todo mundo diz que, quando ele morrer, irão doar o fígado dele pra ciência.
Mas, bem... Eu falava do velhinho... Longilíneo (nunca pensei que usaria essa palavra na vida), barba branca... Usava uns óculos escuros que... hum... como eu vou falar? Os óculos dele eram óculos "rabo-de-peixe". Como o daqueles cadillacs antigos que levam esse nome. É um tipo de óculos que só vemos em filmes dos anos 50 ou nessas festinhas de formatura, quando distribuem esse tipo de coisa entre os convidados.
Ele estava sentado, tomando um café, todo sorridente, com um garoto que, certamente, era o seu neto.
Três garotinhas passaram por eles. Começaram a rir.
Tadinhas.
Eu gostaria de ser um velhinho assim.
Um velho de olhos com barbatanas. Tomando café com o filho do seu filho. Sem me importar com o que as pessoas pensam de mim para ser feliz.

***

CENA 2: Fui assistir ao filme "Super-heróis" (fazer o que, eu precisava ocupar o tempo até chegar a hora de pegar meu ônibus. Era o que tava a mão, pô!).
Fundo do poço intelectual.
E o pior era que a cópia era dublada!
Mas não vamos falar dos meus pecadilhos (significa pecado pequeno, leitor!) cinematográficos. Quero falar do que se passou durante a projeção.
À minha esquerda, estava a maior criançada, devidamente acompanhada dos pais.
A garotinha que sentou-se ao meu lado - pude ouvir - chamava-se Yasmin. Devia ter uns 9 anos.
Em certo momento do filme, um sargento de polícia disse:
- Nós não precisamos de super-heróis. Nossa cidade precisa de mais policiais. E de um BORDEL!
O menino que estava sentado junto a ela e que deveria ter a mesma idade perguntou:
- Que que ele disse?
A Yasmin respondeu:
- Que a cidade precisa de mais QUARTEL!

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Hexagrama 65


Nenhuma dor pelo dano.
Todo dano é bendito.
Do ano mais maligno,
nasce o dia mais bonito.
1 dia, 1 mês, 1 ano.

(Paulo Leminski)

Perguntas


Quero lhe implorar para que seja paciente com tudo o que não está resolvido em seu coração e tente amar. As perguntas são como quartos trancados e como livros escritos em língua estrangeira. Não procure respostas que não podem ser dadas porque não seria capaz de vivê-las. E a questão é viver tudo. Viva as perguntas agora.Talvez assim, você, gradualmente, sem perceber, viverá a resposta num dia distante. (Rilke)

domingo, 20 de abril de 2008

A família está acabando

Gostei da matéria na Veja dessa semana com idéias do psicanalista francês Charles Melman. Algumas delas:

FIM DA FAMÍLIA – Assistimos hoje a um acontecimento que talvez não tenha precedente na história, que é a dissolução do grupo familiar. Pela primeira vez a instituição familiar está desaparecendo, e as conseqüências são imprevisíveis. Impressiona-me que os sociólogos e antropólogos não se interessem muito por esse fenômeno. Nesse processo, podemos constatar que o papel de autoridade do pai foi definitivamente demolido. Antes, o menino tinha na figura do pai um rival e um modelo. Um rival que despertava nele o gosto pela competição e um modelo na busca do prazer sexual. Já para a menina, tratava-se de um homem em quem ela procurava se completar. Hoje, com o declínio da figura paterna, nossos jovens podem estar menos propensos a batalhar pelo sucesso, a estabelecer um ideal de vida e até a descobrir o gosto pelo sexo.

JOVENS NO DIVÃ – Fico surpreso quando constato que, se há uma clientela interessada e engajada na psicanálise hoje em dia, é a dos jovens dos 18 aos 30 anos. Eles não procuram o psicanalista pelo fato de reprimirem seus desejos, mas porque não sabem o que desejam. É uma situação totalmente original em relação a Freud. Antes, a pessoa recorria à psicanálise porque não ousava realizar seus desejos. Hoje, principalmente no caso dos jovens, é por não saber o que desejar. Isso acontece porque nossos jovens foram criados em condições que promovem a busca rápida do prazer máximo e sem obrigações. O problema é que essa forma de lidar com o desejo produz situações de dificuldade para os jovens. Isso os leva ao divã.

BUSCA DO PRAZER – Muitos jovens encontram dificuldade para desenvolver plenamente uma vida sexual. Isso parece paradoxal, porque hoje em dia o sexo é muito acessível. Mas na verdade essa facilidade leva à busca de uma vida sexual sem compromisso, que proporcione um prazer ocasional, como o cinema, a bebida ou a dança. Há aí uma mudança interessante, talvez uma tentativa de se proteger em relação ao compromisso que uma vida sexual pode evocar. A idéia é aproveitar sem se engajar, mas isso impõe uma questão: eles aproveitam plenamente? Esse é o fenômeno que chamei de nova economia psíquica. Ele é fundado sobre o princípio da busca imediata de prazer máximo, sem freios nem restrições. Esses momentos de prazer, que proporcionam uma satisfação profunda, são vividos, mas não organizam a existência, nem o futuro. Ou seja, a existência é feita de uma sucessão de momentos sem nenhuma projeção no futuro, de momentos que podem desaparecer porque não terão continuidade.

EXISTÊNCIA VIRTUAL – O mundo virtual proporcionado pela internet faz sucesso por se tratar de um mundo lúdico. É um mundo coerente com a maneira de viver dos jovens, não exige engajamento nem compromisso. Ali qualquer um pode viver uma série de vidas sucessivas sem nenhum compromisso definitivo. As pessoas querem se distanciar da realidade não porque ela seja assustadora ou sem-graça, mas porque ela implica sempre um limite. Além disso, a realidade requer uma identidade, um objetivo mais ou menos claro na vida, ao passo que esses exercícios virtuais não pressupõem nenhuma identidade, nenhuma perspectiva e ainda derrubam todos os limites, incluindo os do pudor e da polidez.

sábado, 19 de abril de 2008

Foto Grafia

A câmara fotográfica
é uma câmara frigorífica
de sentimentos.

Alguns,
como as carnes,
perdem a validade.

Outros,
duram o espaço
de uma vida.

Poema de bar

Tua beleza é algo certo,
esperto,
deserto.

O mundo desperto.

Um céu aberto...

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Ciência e Filosofia

Experimento consegue "prever" decisão cerebral

Grupo alemão questiona limites do livre arbítrio

DA REPORTAGEM LOCAL

As decisões atribuídas ao livre arbítrio humano podem ser formadas inconscientemente vários segundos antes de o cérebro tomar consciência delas. Essa é a conclusão defendida por um estudo publicado ontem pela revista "Nature Neuroscience". O trabalho se baseou em um experimento no qual voluntários tiveram seus cérebros monitorados por ressonância magnética.
No teste, elaborado por cientistas do Instituto Max Planck para Cognição Humana e Ciências Cerebrais, de Leipzig (Alemanha), pessoas tinham de decidir livremente por apertar um de dois botões em um controle. Ao mesmo tempo ficavam olhando uma seqüência de letras projetada numa tela, que não deveria influir na decisão. Os voluntários tinham apenas de dizer que letra estavam observando quando finalmente decidiam qual botão apertar.
Comparando o momento em que as pessoas se diziam conscientes de suas decisões com padrões de atividade cerebral registrados no aparelho de ressonância magnética, os cientistas tiraram sua conclusão.
"Descobrimos que o resultado de uma decisão pode ser codificado como atividade cerebral nos córtices pré-frontal e parietal [regiões na superfície do cérebro] até dez segundos antes de entrarem na consciência", escrevem os autores do estudo, liderado por John-Dylan Haynes. "A impressão de que podemos escolher livremente entre duas possíveis linhas de ação é essencial para nossa vida mental. Contudo, é possível que essa experiência subjetiva de liberdade não seja mais do que uma ilusão e nossas ações sejam iniciadas por processos mentais inconscientes bem antes de tomarmos consciência de nossa intenção de agir."
Folha de São Paulo, 14/4/2008

domingo, 13 de abril de 2008

Paulista

A vi.
Ave.
Avenida.
A paulista.
A alegria das coisas há muito guardadas.
As estrelas não estavam naquele céu sujo de São Paulo.
As estrelas estavam aqui dentro.

Das crenças

Eu não acredito
no amor, porque
o amor
nunca acreditou
em mim.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Adulto

Aprendi a ser adulto,
E deste crime
Tenho a recompensa trágica
De andar sendo seguido pela sombra
Do menino de mim assassinado.

Álvaro Alves de Faria. Noturno maior.

A gente até tenta

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Marginal

.................................Você.
Esse amor-perfeito
.................................trancado
.................na gaveta
.................................do tempo.

...........................Cadê as chaves?

domingo, 6 de abril de 2008

Bruna Caram

Sábado, dei um pulo no Tom Jazz lá na Av. Angélica em Sampa. A casa foi aberta pelos donos do Tom Brasil e do Bourbon Street.
É um oásis de boa música nesse deserto de mediocridade.
Era show da Bruna Caram. Uma jovem cantora de Avaré (SP) que tem conquistado espaço no cenário musical. Não custava nada tentar e dar uma conferida.
Fui com a cara e a coragem. Sozinho.
Resultado: encantadora! O repertório é muito bom também e ela tem ótima presença cênica. Não é à toa que a jovem disse ser fã da Piaf.
Valeu a pena! E olha que nem foi minha melhor noite nesse fim de semana...
Recomendo.

Gostei do comentário do jornalista Kiko Ferreira, d' O Estado de Minas:

"A nova promessa da música brasileira não recicla bossa nova, não imita o funk carioca, não flerta com o hip hop nem com o mangue bit. Nem recicla o samba rock, não faz pose para a semana de moda, não é eclética, não tem atitude rock'n'roll, não apareceu em reality show nem foi revelada pela Malhação. Ainda bem..."

Quem tiver curiosidade, o site dela é:

http://www.brunacaram.com.br/

Ainda coloquei uma palinha aí em cima! Confiram.

terça-feira, 1 de abril de 2008

Maktub

não discuto
com o destino

o que pintar
eu assino

Paulo Leminski

Nós nunca mentimos

Nós nunca mentimos. Quando mentimos, é para o bem de vocês. Verdade. Começa na infância, quando a gente diz para a mãe que está sentindo uma coisa estranha, bem aqui, e não pode ir à aula sob pena de morrer no caminho. Se fôssemos sinceros e disséssemos que não tínhamos feito a lição de casa e por isso não podíamos enfrentar a professora, a mãe teria uma grande decepção. Assim, lhe dávamos a alegria de se preocupar conosco, que é a coisa que mãe mais gosta, e a poupávamos de descobrir a nossa falta de caráter. Melhor um doente do que um vagabundo. E se ela não acreditasse, e nos mandasse ir à escola de qualquer jeito, ainda tínhamos um trunfo sentimental. ‘Então vou ter que inventar uma história para a professora’, querendo dizer vou ter que mentir para outra mulher como se ela fosse você. ‘Está bem, fica em casa. Mas estudando!’ E ficávamos casa, fazendo tudo menos estudar, dando-lhe todas as razões para dizer que não nos agüentava mais, que é outra coisa que mãe também adora.
A primeira namorada. Mentíamos para preservar nosso orgulho, certo?
— Não, não, eu estava passando por acaso. Você acha que eu fico rondando a sua casa o dia inteiro, é?
Mas o que vocês pensariam se disséssemos: ‘Sim, sim, não posso ficar longe de você, penso em você o dia inteiro, aqueles telefonemas que você atende e ninguém fala,sou eu! Confesso, sou eu! Vamos nos casar! Eu sei que eu só tenho 12 anos e você tem 11, mas temos que nos casar! Senão eu morro. Senão eu morro!’? Vocês se assustariam, claro. A paixão nessa idade pode ser um sumidouro. Mentíamos para nos proteger do sumidouro.
Outras namoradas. Outras mentiras.
— Eu só quero ver, juro. Não vou tocar.
Vocês não queriam ser tocadas, mas ao mesmo tempo se decepcionariam se a gente nem tentasse. Nem desse a vocês a oportunidade de afastar a nossa mão, indignadas. Ou de descobrir como era ser tocada.
Namorar — pelo menos no meu tempo, a Renascença — era uma lenta conquista de territórios hostis, como a dos desbravadores do Novo Mundo. Avançávamos no desconhecido, centímetro a centímetro, mentira a mentira.
— Pode, mas só até aqui.
— Está bem. Não passo daí.
— Jura?
— Juro.
— Você passou! Você mentiu!
— Me distraí!
Dávamos a vocês todos os álibis, todas as oportunidades para dizer depois que tudo acontecera devido à nossa calhordice e não à vontade que vocês também sentiam. Não mentíamos para vocês, mentíamos por vocês. Os verdadeiros cavalheiros eram os que enganavam as mulheres. Os calhordas diziam, abjetamente, a verdade. Não faziam o que juravam que não iam fazer, transferindo toda a iniciativa a vocês. É ou não é?
Mas isso tudo mudou, desgraçadamente bem quando eu deixei para trás as tentações do mundo e entrei para uma ordem (a dos monógamos). A revolução sexual, que um dia ainda vai ser comemorada como a Revolução Francesa, com a invenção da pílula anticoncepcional correspondendo à queda da Bastilha e o fim dos sutiãs ao fim da monarquia — e o termo sans culotte, claro, adquirindo novo significado —, tornou o relacionamento entre homens e mulheres mais franco e desobrigou os homens de mentir para as mulheres para salvar a honra delas. Aliás, dizem que a coisa virou de tal maneira que hoje a mentira mais comum dita pelos homens é ‘Esta noite não, querida, estou com dor de cabeça.’ Não sei. Mas continuamos mentindo a vocês para o bem de vocês.
‘Rmmwlmnswl’ não significa que nós estamos fingindo dormir com medo de ir ver que barulho é aquele na sala. Significa que estamos fingindo dormir para que você vá ver com seus próprios olhos que não é nada e pare com esses temores ridículos, e se for mesmo ladrão nos avise a tempo de pular a janela.
‘Fiquei fazendo companhia ao Almeidinha, coitado, ele ainda não se refez’ significa que a nova gata do Almeidinha só saía com ele se ele conseguisse um par para a prima dela, e nós fazemos tudo por um amigo, mas não queremos estragar a ilusão de vocês de que a separação deixou o Almeidinha arrasado, como ele merecia.
‘Está quase igual ao da mamãe’ significa que não chega aos pés do que a mamãe fazia, ou então que está muito melhor, mas que o importante é vocês não se sentirem nem tão ressentidas que decidam atirar o doce na nossa cabeça e depois se arrependam, nem tão confiantes de parem de tentar ser iguais à mamãe, e no dia que a gente disser que está sentindo uma coisa estranha bem aqui, só para não ir trabalhar e ficar vendo o programa da Xuxa, vocês não digam ‘Comigo essa não pega’ e nos botem para a rua.

Luís Fernando Veríssimo

segunda-feira, 31 de março de 2008

Detrás do rosto

Acho que mais me imagino
do que sou
ou o que sou não cabe
no que consigo ser
..............................e apenas arde
detrás desta máscara morena
que já foi rosto de menino. [...]
Você vai rir se lhe disser
que estou cheio de flor e passarinho
que nada
do que amei na vida acabou:
...............................e mal consigo andar
...............................tanto isso pesa.

Ferreira Gullar

Intertextualidade

Vi esse quadrinho do Larte hoje na Folha de São Paulo.


Imediatamente me lembrei dos versos de Pessoa que, inclusive, postei em janeiro:
"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
(...)
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada."

domingo, 30 de março de 2008

Procura-se um amigo

Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da brisa. Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de não ter esse amor.. Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar.
Não é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objetivo deve ser o de amigo. Deve sentir pena das pessoa tristes e compreender o imenso vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam nascer.
Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova, quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações de infância. Precisa-se de um amigo para não se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim.
Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive.

Vinícius de Moraes

quinta-feira, 27 de março de 2008

20 coisas que vão fazer falta quando a "indesejada das gentes" chegar

1. Torta de morango da D. Terezinha;
2. Curar ressaca com banho quente, ouvindo Pavarotti, cantando Nessun Dorma, na maior altura;
3. Correr no clube com Frank Sinatra no Mp3;
4. O sol batendo "na janela do meu quarto";
5. Descobrir poesia nas coisas e nas palavras;
6. Observá-la nua dormir o seu sono morno;
7. Digo, Oreia,Tatu e Foca na mesa de bar;
8. Chorar nos finais do Anos Incríveis;
9. Caminhar lendo a piauí;
10. Passar o dedo na pontinha do travesseiro (cada louco com sua mania, pô!);
11. Uma cafeteria. Um romance nas mãos. Um capuchino;
12. Chope cremoso;
13. Você dizendo "Eu te amo";
14. Alunos que aprenderam a amar literatura;
15. Galope. Estrada de terra. Vento no rosto. Liberdade...;
16. Pizza;
17. Acordar: café;
18. Skol Beats com limão dentro;
19. Preparar uma massa tomando vinho (tinto seco!);
20. O Jombatista ("Deste-nos pobreza e amor. A mim me deste / A suprema pobreza: o dom da poesia, e a capacidade de amar / Em silêncio.")

Se isso servia pro séc. XIX, imagine pros dias de hoje!

"A soma de barulho que uma pessoa pode suportar está na razão inversa da sua capacidade mental."

Schopenhauer


"Sendo assim, até o dia fatal de cerrarmos os olhos
não devemos dizer que um mortal foi feliz de verdade
antes dele cruzar as fronteiras da vida inconstante
sem jamais ter provado o sabor de qualquer sofrimento!"
(Sófocles. Édipo Rei, vv. 1807-1810)

If I were a Carpenter - Tim Hardin

Descobri essa música hoje.
Tim Hardin (1941-1980) era um cantor de música folk. A canção é a cara dos anos 60/70. Ele, inclusive, a tocou no lendário festival de Woodstock. A composição é de 1967. Viciado em heróina, morreu de overdose.


If I were a carpenter
and you were a lady,
Would you marry me anyway?
Would you have my baby?

If a tinker were my trade
would you still find me,
carrin' the pots I made,
followin' behind me.

Save my love through loneliness,
Save my love for sorrow,
I'm given you my onliness,
Come give your tomorrow.

If I worked my hands in wood,
Would you still love me?
Answer me babe, "Yes I would,
I'll put you above me."

If I were a miller
at a mill wheel grinding,
would you miss your color box,
and your soft shoe shining?

If I were a carpenter
and you were a lady,
Would you marry me anyway?
Would you have my baby?
Would you marry anyway?
Would you have my baby?

quarta-feira, 26 de março de 2008

Atualíssimo

Modern love is no such thing,
As what those ancient poets sing:
A fire celestial, chaste, refined,
Conceived and kindled in the mind;
Which, having found an equal flame,
Unites, and both become the same,
In different breasts together burn,
Together both, to ashes turn.
But women now feel no such fire,
And only know the gross desire.

Jonathan Swift (Cadenus and Vanessa, 1726)

"Odeio quem me rouba a solidão sem em troca me oferecer verdadeiramente companhia". (Nietzsche)


terça-feira, 25 de março de 2008

Antidepressivo

CONSOLO NA PRAIA

Vamos, não chores...
A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu.

O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.

Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis casa, navio, terra.
Mas tens um cão.

Algumas palavras duras,
em voz mansa, te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
Mas, e o humour?

A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.

Tudo somado, devias
precipitar-te, de vez, nas águas.
Estás nu na areia, no vento...
Dorme, meu filho.

Carlos Drummond de Andrade

Ê, Brasilzão...

De direitos e renúncias

SÃO PAULO - Você certamente já ouviu ou leu recomendações como estas: "Fique calmo e não corra"; "deixe suas mãos visíveis"; "não faça movimentos bruscos".
Lembra? Claro. São as recomendações da polícia para o caso de você trombar com bandidos. Agora, saiu uma nova versão. As recomendações são as mesmas, mas servem para o inverso, ou seja, para o caso de você trombar com a polícia.
Constarão de 1 milhão de folhetos a serem distribuídos por meio da Secretaria Especial de Direitos Humanos do governo federal. Há na iniciativa dois problemas.
Primeiro: equipara policiais a bandidos, como agentes a serem igualmente temidos. Pior: reforça a incontrolável tendência do poder público brasileiro, em todos os seus níveis, de fugir dos problemas, pedindo aos cidadãos que se eduquem para renunciar a direitos.
Menos mal que Rosiana Queiroz, coordenadora nacional do Movimento Nacional de Direitos Humanos, leu corretamente a iniciativa: "A modificação de uma abordagem policial depende de repensar a polícia, sua estrutura, a concepção militaresca, a forma de selecionar policiais, formá-los, orientá-los e dar um bom salário a eles". Mais: "Precisa fazer uma investigação sobre quais policiais estão envolvidos com o crime organizado", disse Rosiana a Eduardo Scolese, da Folha.
Bingo. Pena que a tese de Rosiana seja muito difícil e trabalhosa para implementar. E o poder público foge de tudo o que é difícil. Já que não pode educar policiais a respeitar normas de conduta e direitos individuais básicos, trata de educar o público a não irritar policiais.
Como tampouco pode educar/ prender/punir bandidos, educa a população a não reagir a eles.
Ou seja, educa-a a renunciar a bens e ao direito de ir e vir, sob pena de perder ambos e mais a vida. É um país muito medíocre.

Clóvis Rossi, Folha de São Paulo, 25/3/2008

domingo, 23 de março de 2008

Testamento

O que não tenho e desejo
É que melhor me enriquece.
Tive uns dinheiros - perdi-os...
Tive amores - esqueci-os.
Mas no maior desespero
Rezei: ganhei essa prece.

Vi terras da minha terra.
Por outras terras andei.
Mas o que ficou marcado
No meu olhar fatigado,
Foram terras que inventei.

Gosto muito de crianças:
Não tive um filho de meu.
Um filho!... Não foi de jeito...
Mas trago dentro do peito
Meu filho que não nasceu.

Criou-me, desde eu menino
Para arquiteto meu pai.
Foi-se-me um dia a saúde...
Fiz-me arquiteto? Não pude!
Sou poeta menor, perdoai!

Não faço versos de guerra.
Não faço porque não sei.
Mas num torpedo-suicida
Darei de bom grado a vida
Na luta em que não lutei!

Manuel Bandeira

Feliz Páscoa!

sábado, 22 de março de 2008