quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Californication



“Aqui estamos,” ela pensou, “no fim do mundo, no fim da civilização do oeste… e estamos todos tão desesperados para sentir algo… qualquer coisa, que caímos uns nos outros… e fodemos nossos caminhos ao longo do fim dos dias.”


Cena 1: Um carro percorre uma longa estrada vazia que dá para uma igreja. O motorista entra. Apaga um cigarro na pia batismal. O templo está vazio. Ele contempla a imagem de Jesus e diz:
- Olá, garotão. Somos apenas você e eu. Nós nunca fizemos isso antes, mas tempos desesperados requerem ações desesperadas. Meu nome é Hank...

(Uma freira aparece e o cumprimenta)
- Olá, Hank.
- Desculpe, irmã, eu apenas estava tentando ter um pequeno papo com o seu marido ali.
- Existe algo em que eu possa ajudá-lo?
- Oh, não... eu não iria querer incomodar uma pessoa de verdade com isso...
- Não é um incômodo, Hank. Na verdade, é pra isso que estou aqui.
- Bem, o negócio é o seguinte: estou tendo o que pode se chamar de "crise de fé". Quero dizer... pra simplificar, eu não consigo escrever. O que realmente é uma droga, porque supostamente eu sou um escritor. E um daqueles profissionais e tal... Não tenho conseguido escrever nem a porra de um predicado! Me desculpe, viu?! Minhas sinceras desculpas. Eu sou um fodido. Novamente, me desculpe! [pelo palavrão].
- Bem - diz a freira - , normalmente eu sugeriria alguns pais-nossos e um par de ave-marias, mas eu não acho que isso vá adiantar. Que tal um boquete? Um boquete iria te fazer sentir melhor?
- Um boquete vindo de você???
- Algo me diz que "ele" não vai se chupar sozinho, Hank.
- Não, mas... Mas você é uma freira! Uma freira completamente gostosa...

(A coisa começa pra valer e o personagem tapa a imagem de Cristo com a mão)

- Querido menino Jesus, Hank está indo pro Inferno... - diz ele.

Esse é o início de Californication, a melhor série dessa nova safra da TV paga. A melhor que vi desde a primeira temporada de "Lost". E isso já tem um bom tempo! Assisti aos dois primeiros episódios e já virei fã.
Só pra ter uma noção, a revista americana Rolling Stone disse que Californication é "o programa mais pornográfico que já assistimos na TV sem ter que colocar o número de nosso cartão de crédito antes".
E a revista diz mais: "Nos divertimos vendo o agente Mulder vidrado em nove pares de seios em apenas um episódio e usando termos sexuais que não ouvimos desde a época do colégio. Amamos a série, pois é uma comédia adulta que consegue ser realmente adulta."
Nessa série, David Duchovny (o agente Mulder da extinta Arquivo X) interpreta o escritor Hank, que vive uma vida de fama, álcool e sexo fácil. Ele é famoso por um ótimo livro que escreveu, mas atualmente enfrenta um bloqueio criativo. Sua ex-mulher, interpretada pela linda Natascha McElhone, está de casamento marcado com o dono de uma revista, que oferece um trabalho para ele. Aliás, Hank dormiu com a filha de 16 anos do dono da revista.
Seu ótimo livro foi adaptado para o cinema e Hank detestou. Parece que o diretor o transformou numa comédia romântica bem "sessão-da-tarde". Por isso ele odeia o diretor desse filme e fala mal dele para toda imprensa e freqüentemente eles brigam. Hank, claro, também dormiu com a mulher do diretor. Na verdade, ele dorme com qualquer coisa que respire e não tenha pêlos no rosto. Ao mesmo tempo, nutre uma profunda adoração pela sua ex-mulher, que lhe diz: "Você não me ama, Hank. Você ama a idéia do amor."
Californication é crua e direta. Um ótimo retrato da decadência uma sociedade que já perdeu a moral faz muito tempo. Diálogos perfeitos (não vejo bons diálogos assim na TV há séculos), produção caprichada e um elenco com atores inspirados. Existem momentos de muito humor e de ironia corrosiva, mas eles só vem para mostrar mais ainda a decadência de Hank (que é a decadência de todos nós).
Recomendo.

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