sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Minha visão sobre o ensino

Instituições pilantrópicas de ensino

Fisgado o aluno, o que elas fazem é buscar se converter num pólo de lealdade dos jovens

HÁ ESCOLAS boas, escolas ruins e escolas pilantras. Essas últimas são não apenas as piores como também as que proliferam mais rapidamente. As pessoas atentas às mazelas do sistema educacional costumam se indignar com as faculdades caça-níqueis, mas a triste verdade é que, entre todos os órgãos vitais, aquele que o ensino superior danifica mais freqüentemente é o bolso, não o cérebro.
Alunos que tenham chegado ali depois de sobreviverem relativamente incólumes ao ensino básico ou médio perderão, em seu âmbito, tempo e dinheiro, mas não serão nem reduzidos à sua mediocridade habitual, nem definitivamente aprisionados pela camisa-de-força de seu pensamento único que é cada vez mais único e cada vez menos pensamento.
Já os infelizes que foram previamente avariados durante seus anos formativos, esses dificilmente serão resgatados nem mesmo se, por algum lance de sorte ou um giro em falso da roda da fortuna, uma das vinte melhores universidades do planeta (17 delas, diga-se de passagem, situadas nos Estados Unidos, duas no Reino Unido, uma no Japão e nenhuma na Europa continental) os admita por engano. Ninguém, por exemplo, vai "descobrir" a literatura num curso de letras. Quem entrou nesse curso sem ser de antemão um leitor ávido escolheu errado, não aproveitará nada e prejudicará o aproveitamento alheio.
Existem maneiras bastante fáceis de separar o joio do trigo, ou seja, de reconhecer quais escolas são boas, quais ruins. Mas e as pilantras? Se as escolas ruins são essencialmente como as boas, só que piores, isto é, com professores piores, alunos piores, menos verbas, organização e direção deficientes etc., as pilantras se diferenciam de ambas por serem intencionalmente defeituosas e por se valerem de um ilusionismo que apresenta o vício como virtude.
Uma vez que são incapazes de competir com as de fato boas, elas descartam a própria idéia da competição (entre escolas, entre alunos) como resquício, em vias de superação, de um pensamento fascista ou medieval.
Crianças saudáveis e adolescentes normais raramente gostam de ir à escola. Eles têm mais o que fazer: brincar, tagarelar pelo telefone ou pela internet, assistir à televisão ou ao vídeo, interessar-se pelo "BBB", namorar, tomar sol no clube ou na praia, dormir até mais tarde. Se alguém nessa faixa etária gosta demais de sua instituição de ensino, seus pais podem ter certeza ou de que ele(a) é um(a) "nerd", ou de que sua escola é pilantra.
A meta dessas escolas se resume em conquistar uma clientela cativa, e seus responsáveis sabem que, hoje em dia, na hora de escolher um colégio, a opinião dos filhos pesa tanto ou mais que a dos pais.
Uma vez fisgado o aluno, o que elas fazem é buscar se converter num pólo de lealdade dos jovens e, como cabe aos pais impor restrições desagradáveis de todo tipo com o intuito de disciplinar as feras bravias que educam, tais instituições atraem a lealdade dos alunos criando para eles um espaço no qual as restrições e a disciplina paternas ou maternas não vigoram.
A criação desse espaço de "liberdade" se acompanha de uma doutrinação cujo recurso-chave é o de jamais contradizer nem se contrapor aos doutrinados. Que jovem, ou melhor, que ser humano não adoraria viver num ambiente em que nunca é criticado, sempre elogiado e paparicado? Quem, se pudesse, não optaria por um mundo no qual prevalecesse eternamente a lei do menor esforço? Faz igualmente parte da doutrinação encher a cabeça dos alunos de preconceitos em relação às escolas mais exigentes: elas seriam autoritárias, tecnocráticas, desumanas ou simplesmente refúgio de CDFs e "nerds".
As escolas pilantras fazem de tudo exceto ensinar o necessário, a saber, como é que alguém deve lidar com palavras e números. Caso deixemos de lado, porém, essa missão antiquada, elas sem dúvida alguma incentivam a "criatividade" (que é a noção de que as artes não requerem esforço, pois seus produtos brotam espontaneamente das cabeças e mãos dos que, como seus alunos, têm talento), não humilham os alunos com notas baixas, não premiam o empenho nem castigam a preguiça.
Sobretudo, elas entretêm sua clientela, mantendo-a no berçário até o vestibular e, como não há deus ou milagre que faça seus alunos enfrentarem com sucesso esse rito de passagem, seus professores pelo menos já os terão preparado com todas as desculpas necessárias: as que darão aos pais e as que, até o fim da vida, repetirão para si mesmos.
Nélson Acher, Folha de São Paulo (12/2/2007).

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