quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Diálogo atemporal



Muito influenciado pelo vestibular, ensino médio corre o risco de deixar de lado a leitura de obras mais contemporâneas



FABIANA REWALD
DE SÃO PAULO


Qualquer aluno do ensino médio ao menos já ouviu falar de Machado de Assis ou de José de Alencar, nomes frequentes nas listas de livros cobrados pelos vestibulares. Mas é difícil encontrar quem já tenha lido Cristovão Tezza ou Luiz Ruffato, só para citar dois ganhadores do Prêmio Jabuti nos últimos anos.
Como o ensino médio é muito pautado pelos processos seletivos das universidades, as escolas admitem que é difícil fugir das listas.
"Sentia muita falta de incluir outros livros no programa, mas não dava tempo", conta Noemi Jaffe, doutora em literatura brasileira pela USP e ex-professora da disciplina no ensino médio.
Um dos motivos dessa falta de tempo é o fato de que ainda é comum o estudo da história da literatura, seguindo uma ordem cronológica.
"Isso se tornou quase uma camisa de força", critica Regina Zilberman, do Instituto de Letras da UFRGS (Federal do Rio Grande do Sul).
Mas as orientações curriculares do Ministério da Educação para o ensino médio já dizem que a ordem não precisa ser seguida: "Os professores [...] sentem-se obrigados a cobrir toda a linha do tempo, fazendo uso da história da literatura, ainda que isso não sirva para nada".
Uma alternativa sugerida pela especialista em literatura Maria José Nóbrega é comparar as diferenças entre as estéticas. "Essa experiência por contraste é mais fácil."
Para estudar o tema do amor romântico, os alunos do colégio Positivo, em Curitiba, leram "Inocência", escrito em 1872 por Visconde de Taunay, e "Contos de Amor Rasgados", publicado em 1986 por Marina Colasanti.
Perceberam que o amor não é mais tão idealizado quanto antigamente, diz o coordenador de literatura, Vanderlei de Siqueira.

MACHADO E FERRÉZ
Outro exemplo de intertextualidade é o que o escritor Marcelino Freire faz em oficinas para adolescentes.
"Dá para estudar Machado de Assis conversando com a literatura de Ferréz [autor de "Capão Pecado", entre outros livros]. Basta que o professor tenha ginga para misturar as tribos."
Regina Zilberman sugere ainda o uso de filmes ou peças de teatro para fazer uma "interlocução entre passado e presente". "No caso de Machado de Assis, que se transformou quase num "pop star", existem adaptações de suas obras muito boas, já numa linguagem moderna."
O professor de teoria literária da Unicamp Alcir Pécora dá um alerta, porém: "[Fazer relações temporais entre obras antigas e contemporâneas] pode enriquecer o repertório. Mas também pode empobrecê-lo, caso se subordine o interesse das antigas exclusivamente aos temas contemporâneos".

FUVEST E UNICAMP
A lista unificada de livros obrigatórios cobrados atualmente pela Fuvest e pela Unicamp é marcada pelas obras canônicas. A mais recente é a edição aumentada de "Antologia Poética", de Vinicius de Moraes, publicada em 1960.
Para Manuel da Costa Pinto, curador da Festa Literária Internacional de Paraty, o ensino médio deveria incluir a leitura de obras mais próximas do aluno. Ele lembra que alguns vestibulares já cobram obras atuais, como a UFSM (Federal de Santa Maria), que prevê a leitura de "Eles Eram Muitos Cavalos", de Luiz Ruffato.
Renato Pedrosa, coordenador do vestibular da Unicamp, explica que não há uma determinação de adotar apenas livros clássicos ou mais antigos, mas existe a preocupação de que eles sejam todos de domínio público. "Não pode ser difícil de encontrar nem ser caro."
Ele diz ainda que não concorda totalmente com a posição de que a literatura produzida nos dias de hoje seja mais fácil ou atraente para os jovens. "As técnicas usadas hoje são de leitura mais difícil, têm uma estrutura mais sofisticada, que inclui narrativas não lineares."

Folha de S. Paulo, 27 dez. 2010.



Formação de leitores é desafio a ser enfrentado por professores



THAÍS NICOLETI DE CAMARGO


Segundo o Conselho Nacional de Educação, a meta das aulas de literatura do ensino médio é formar leitores literários -e não há um currículo obrigatório a cumprir.
Na prática, as exigências dos principais vestibulares do país acabam pautando a programação dos colégios.
Durante muito tempo, o estudo da literatura limitou-se ao conhecimento dos estilos de época e dos seus principais representantes -e a literatura era vista por não poucos estudantes como uma das "matérias chatas" do currículo.
Uma arte, comparável à pintura, à escultura e à música, foi, muitas vezes, reduzida a uma coleção de nomes de autores e características estilísticas. Alguém imaginaria estudar a história da música sem ouvir música?
Para estudar literatura, entretanto, é preciso ler - e isso requer o desenvolvimento da concentração. Em tempos de absorção fragmentária do conhecimento, na velocidade dos microtextos da internet, isso pode parecer difícil, mas é uma missão a cumprir: é preciso ensinar a ler para além da leitura dinâmica.
A literatura é fonte de sutilezas tanto de pensamento como de linguagem, um canal privilegiado de percepção e diálogo com o mundo - e os estudantes não podem ser privados desse saber.
Parece improvável, porém, que um aluno de 15 anos venha a se interessar por literatura começando com obras de Gil Vicente ou de Camões, como manda a cronologia que tem dirigido os currículos de literatura. Não é nova a ideia de inverter a ordem, de modo que os estudantes mais jovens tomem contato com obras mais recentes, de linguagem menos difícil, deixando para um segundo momento as obras mais antigas.
O que se vê hoje é uma situação pouco alentadora. Os principais vestibulares do país vêm adotando listas de livros de leitura obrigatória.
Se a iniciativa, num primeiro momento, fez que os candidatos à universidade lessem pelo menos algumas obras inteiras, hoje os professores de cursinhos as leem e as dissecam nas chamadas "aulas especiais". Na internet, o estudante também encontra, devidamente digeridas, as obras das listas.
Ao mesmo tempo, por um motivo ou por outro, salvo algumas exceções, a literatura contemporânea é subtraída dessas listas, acentuando a defasagem entre o mundo real e o universo escolar.
Paradoxalmente, o esforço dos professores em resumir e interpretar as obras selecionadas parece relegar ao segundo plano o mais relevante: a experiência de leitura. Há que se perguntar se as listas de livros promovem o avanço na formação de leitores literários ou se acabam produzindo indesejáveis efeitos colaterais.
Folha de S. Paulo, 27 dez. 2010.
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Concordo, em parte, com as observações, no que diz respeito ao ensino da Literatura. 
É produtivo compararmos estéticas diferentes. Cotejando um poema romântico com uma narrativa realista, emprega-se o recurso da definição por contraste. Em outras palavras, definimos algo por aquilo que ele não é.
Ressaltar relações intertextuais também pode ser útil. Trata-se de uma boa maneira de o aluno perceber que uma escola literária não desaparece simplesmente, dando lugar a outra. Mas sim que os valores, as crenças e os conceitos de cada estilo de época permanecem, mesmo que sub-repticiamente, na cultura ocidental. Basta imaginarmos o amor cortês, presente na poesia trovadoresca, que ainda influencia a maneira como concebemos o amor em pleno século XXI. Há exemplos aos montes no cinema, nas novelas de tevê, nas músicas dor-de-corno dos cantores sertanejos etc.
Agora, querer comparar Machado de Assis com Ferréz... Ah, faça-me um favor! 
Há uma tendência em valorizar o novo em detrimento do antigo, que passa a ser visto como "arcaico", "impenetrável", "difícil", "desinteressante".
É obvio que um texto com uma linguagem atual e com elementos próprios da realidade do aluno/leitor será mais atraente a ele. Mas não significa que será uma obra superior àquela escrita há 40, 50, 100 anos. Afinal, as coisas não são boas apenas por serem novas. 
Aliás, que "revelação" das letras dos últimos 30 anos pode ser considerado um talento genuíno e inconteste? Que autor recente conseguiu captar nossos anseios, nos sensibilizar,  nos instigar e, ao mesmo tempo, fazer parte do inconsciente da nação? Pense, por exemplo, como os versos de Drummond ou Bandeira vivem na boca de tantos brasileiros que nem sabem quem sejam Drummond ou Bandeira?
Me recuso a considerar alguém bom escritor só porque venceu o Jabuti. Pegue Cristovão Tezza, que venceu o prêmio com seu livro "O filho eterno" (2009). Garanto que um jovem leitor achará a obra um porre (o que de fato é). Possivelmente, esse hipotético aluno terá mais prazer em ler "Inocência"(1872), só para ficarmos nas obras citadas pelo artigo acima. Digo isso porque lembro-me bem de quando uma aluna minha de 15 anos disse ter adorado a leitura e caído em lágrimas ao final do romance de Taunay.
No máximo, aquelas obras "contemporâneas",  com "linguagem jovem" e "próximas da realidade" podem ser usadas como "iscas" para atrair futuros leitores. A partir delas, o jovem poderá dar mergulhos mais profundos. Pois é claro que ninguém começa lendo Machado de Assis ou Guimarães Rosa. Nem deveria.
Ocorre que, se nós, professores de Literatura, não exigirmos, no Ensino Médio, a leitura de certos cânones literários, dificilmente a maioria dos alunos terá outra oportunidade de travar conhecimento com eles. E acredito, sim, que um ser humano, antes de morrer, deve ter algum  contato com Machado de Assis, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Vinícius de Moraes, Manuel Bandeira, Rubem Braga e afins.
Entretanto, por que ficarmos presos apenas à Literatura Brasileira?
É preciso reconhecer que nossa literatura é indiscutivelmente de segunda categoria. Poucos são os nossos autores de alcance universal. Entre "O triste fim de Policarpo Quaresma" e "D. Quixote" eu, francamente, optaria pelo segundo. Por que não lermos "Madame Bovary", de Flaubert, se discutimos e/ou lemos "O primo Basílio", de Eça de Queiroz?  É como se obrigássemos - ou condenássemos, dependendo do ponto de vista - nossos estudantes a assistir apenas aos nossos estupendos e inesquecíveis filmes nacionais!
Além disso, já que falei em cinema, acho contraproducente esse negócio de ficar passando filminho nacional baseado em obra de Machado de Assis. Primeiro, porque são péssimos. Em todos os níveis. Segundo, porque quem tenta transpor Machado para a tela não entendeu patavina do que leu. Cinema é ação, movimento, imagem. E Machado não é um autor propriamente dinâmico ou imagético. Nele, a história não é o fundamental. Em muitos contos e em vários romances desse escritor, o que importa não é o que acontece, e sim COMO o autor elabora o enredo e COMO o narrador nos conta a história.
Só dá para perceber a grandeza de Machado de Assis lendo os livros de Machado de Assis, não assistindo a representações deles. Para mim, tentativas cinematográficas de adaptação de textos do Bruxo do Cosme Velho são meros caça-níqueis, que visam ao mercado dos paradidáticos. São totalmente desprovidos de "engenho e arte".
Por outro lado, se é para despertarmos o prazer da leitura nos iniciantes, por que não indicar, então, Agatha Christie, Alexandre Dumas, Conan Doyle, Charles Dickens, Emile Brönte, Jane Austen, George Orwell, Lewis Carroll, Júlio Verne e tantos outros que sabidamente despertaram (e despertam) o apetite de tantas gerações?!
É claro que podemos incluir brasileiros nessa lista: Jorge Amado, Luís Fernando Veríssimo, Rubem Fonseca, Inácio de Loyola Brandão, João Carlos Marinho, Marcelo Rubens Paiva... O que não podemos fazer é valorizar a Literatura Brasileira apenas porque é nacional ou porque , como manifestação da nossa cultura, é um modo de nos situarmos no mundo, de saber quem somos. Ora, posso muito bem perceber isso lendo Tchekov ou Shakespeare. Não preciso só da MINHA cultura para isso. Quem diz o contrário é adepto de um nacionalismo ranheta e retrógrado.
No entanto, é bom ressaltar, são obras que devem ser exploradas ao longo do Ensino Fundamental.  O gosto pela leitura, o  hábito de ler ou a intimidade com a literatura já devem estar desenvolvidos quando o aluno adentra o Ensino Médio. Daí para frente, é necessário avançar e  atingir outras profundezas mil.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Vá ver tevê


Charge publicada pelo sempre genial Laerte, na Folha de S. Paulo, em 9 dez. 2010. Apenos creio que a crítica à TV soe um pouco anacrônica. Hoje, a Internet se alimenta de infância muito mais que a televisão. Concordam?