segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Um adivinho me disse

Era um vez um feirão de livros que ocorreu em um supermercado na cidade de Alfenas. Acontecimento mais surrealista impossível. Dada a cidade. E dado o supermercado, local tão pouco afeito à elucubrações lítero-culturais.
Afinal, quem poderia imaginar que encontraria uma delícia como "Um adivinho me disse", de Tiziano Terzani, num lugar onde normalmente me preocupo apenas com embutidos, sabonetes e sacos de lixo de 15 litros?
Nosso primeiro encontro [entre mim e o livro] não foi dos mais auspiciosos. Lendo a orelha, parecia mais um desses augustoscurys da vida.
Não comprei.
Surpreendentemente, no dia subseqüente àquele pequeno flerte, havia dois (repito: dois!) exemplares em cima da mesa de jantar da casa de meus pais. Ambos [meus pais] haviam, indvertidamente, comprado o mesmo título no mesmo feirão mercadológico.
Certamente, Terzani interpretaria tal coincidência como um aceno do destino.
Ainda bem!
Terzani era um jornalista italiano [faleceu em 2004] apaixonado pelo Oriente. Nos anos 70, em Hong Kong, um adivinho havia predito que o autor correria um risco de acidente aéreo em 1993. Esse foi um belo pretexto para ele - conforme o malfadado ano se aproximava - decidir percorrer o Oriente utilizando qualquer meio de transporte que não fosse o avião.
E é um prazer acompanhá-lo pela Tailândia, pelo Camboja, pela Birmânia, pela Malásia e tantos outros lugares ainda então transbordantes de misticismo, de velhas lendas, antigos mitos, crenças ancestrais. Um universo que, apesar do canto da sereia do mundo ocidental e do afã nivelador do progresso, ainda teima em existir.


Raramente a humanidade esteve, como nesses tempos, privada de figuras essenciais, de personagens-luz. Onde está um filósofo, um grande pintor, um grande escritor, um grande escultor? Os poucos que vêm à mente são sobretudo fenômenos da publicidade e de marketing.
A política, mais que qualquer outro setor da sociedade, em especial a ocidental, está na mão de medíocres. A causa é precisamente a democracia, que virou uma aberração da idéia original quando se tratava de votar para ir ou não à guerra contra Esparta e, depois..., de ir de verdade, de ir pessoalmente, talvez para morrer. Hoje, democracia significa, no máximo, ir a cada quatro ou cinco anos colocar uma cruz sobre um pedaço de papel e eleger alguém que, porque deve satisfazer a tantos, tem necessariamente de ficar em cima do muro, medíocre e banal como são sempre todas as maiorias. Se por acaso aparecesse uma pessoa excepcional, alguém com idéias fora do comum, com algum projeto que não fosse sossegar todos prometendo felicidade, não seria jamais eleito. Muitos nunca lhe dariam um voto.
E o que dizer da arte, àquele atalho à percepção de grandeza? Ela tampouco tem ajudado as pessoas a entender a essência das coisas. A música parece feita para chegar aos ouvidos e não à alma; a pintura é com freqüência uma ofensa aos olhos; a literatura também é sempre mais dominada pelas leis do "mercado". E quem ainda lê poesia? Seu valor de exaltação foi esquecido! Mesmo assim uma poesia pode acender no peito um calor forte como o amor. Uma poesia, mais que todos os uísques, mais que o Valium e o Prozac, pode "levantar o astral", aliviar a alma, porque eleva o ponto de vista para o qual olhamos para o mundo. Quando a gente se sente só, seria melhor encontrar companhia no ler belos versos do que ligar a televisão!
Angela diz que, se tivesse de eliminar uma das invenções deste século, antes da bomba atômica eliminaria a televisão. Pensando bem, ela tem razão. A televisão reduz nossa capacidade de concentração, embota as nossas paixões, nos impede de refletir, impondo-se como o mais importante - quase único - veículo de consciência. Ocorre que nenhuma verdade é mais falsa que a da televisão. Ela transforma casa acontecimento, cada emoção em um espetáculo, como resultado de que ninguém consegue mais se comover ou se indignar com nada. Por meio da televisão depositamos milhares de informações, mas nos tornamos moralmente ignorantes. A televisão distrai, faz passar o tempo! Mas é isso que realmente queremos?
Quanto mais olhamos à nossa volta, mais nos damos conta de que o nosso modo de viver se torna sempre mais insensato. Todos correm, mas para onde? Por quê? Muitos sentem que esse correr não corresponde a nós e que nos faz perder tantos velhos prazeres. Mas quem tem coragem de dizer: "Parem! Mudemos a rota"? Se estivéssemos perdidos em uma floresta ou em um deserto, nos obrigaríamos a procurar uma saída! Por que não fazer o mesmo com esse bendito progresso que alonga a nossa vida, nos torna mais ricos, mais sadios, mais belos, mas no fundo nos dá sempre menos felicidade?
Não é de estranhar que a depressão tenha virado um mal tão comum. É quase encorajador. É um sinal de que dentro das pessoas resta um desejo de humanidade.

TERZANI, Tiziano. Um adivinho me disse. Rio de Janeiro: Globo, 2005, p. 269-270.

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