segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Hedonismo

Sim, sim, eu sei, cigarro faz mal e sexo pode ser perigoso. Mas uma estranha e perturbadora epidemia parece ter tomado conta do país ultimamente na forma de uma absurda premissa: “se você evitar tudo que é agradável, terá uma vida longa e feliz.” Mas será possível mesmo encontrar a felicidade numa corrida vertiginosa, num ambiente onde é proibido fumar, de Palm Pilot na mão, atrás do ideal capitalista? Semanas de sessenta horas de trabalho, volumosas carteiras de ações e uma agenda abarrotada de compromissos são realmente a chave para se viver bem? Eu acho que não.
Nestes últimos anos, o mundo ocidental virou um pastiche caleidoscópico de luzes intensas, manipulações pela mídia, fofocas globais e desesperada competição. As pessoas passam o dia inteiro com os olhos pregados na tela dos computadores, almoçam nas suas mesas de trabalho, planejam suas programações diárias em aparelhinhos portáteis e marcam “dias de folga” para brincar com os filhos. Obcecados com a idéia de ficarmos mais ricos, mais magros, mais bem-sucedidos e, por incrível que pareça, mais jovens, milhões de nós nos privamos todos os dias daquilo que, iludidos, acreditamos estar correndo atrás – viver bem. Depois de um longo dia de trabalho, queremos chegar logo em casa e assistir pela televisão àquilo que é curiosamente conhecido como reality shows, só para voltar ao escritório no dia seguinte e discutir as surpreendentes reviravoltas das realidades pré-fabricadas de estranhos, ficando as nossas próprias vidas reduzidas a um segundo plano. Esse ritmo febril é às vezes compensado com exercícios físicos cronometrados, dietas sem carboidratos, um espesso copo de suco de clorofila e duas semanas de “férias” cuidadosamente planejadas on-line. Felicidade, percebe?
Somadas a esse encantador coquetel de confusões, encontram-se leis cada vez mais caprichosas que fazem os fumantes se agruparem nas calçadas, as lanchonetes revelarem a chocante novidade de que a comida que estão servido pode deixar você mais gordo, os e-mails serem monitorados, os bancos das praças terem divisórias para que ninguém se deite neles e criando várias restrições à linguagem e ao estilo de vida em geral. Dá a impressão de que nós – as massas – nos tornamos pouco mais do que patinhos gordos que precisam ser pastoreados ao longo da vida para não nos desviarmos para o perigoso terreno da responsabilidade pessoal e do livre-arbítrio.
Num determinado momento, “viver bem” torna-se um objetivo imaginado num ponto muito distante a que se chega apenas com um esforço psicótico e uma obstinada determinação. Como hamsters cafeinados numa roda, começamos a correr, a suar, aceitar sacrifícios e entrar em pânico. Pode-se perder peso, mas a insatisfação pessoal permanece. A promoção pode ser conquistada, mas as despesas continuam crescendo. Em apesar e todo o nosso sucesso aparente, no íntimo o sentimento de inadequação e o desaprovador sarcasmo dos vizinhos parecem ampliados. Alguma coisa estaria errada neste plano mestre? Existe alguma coisa, alguma chave perdida para o reino da felicidade que está sendo esquecida? Pode apostar que sim.
FLOCKER, Michael. Manual do hedonista: dominando a esquecida arte do prazer. Rio de Janeiro: Rocco, 2004. p. 13-15.

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