terça-feira, 11 de março de 2008

"In to the wild"


Gostei. Principalmente pelos atores. Belas e honestas interpretações.
Na natureza selvagem (EUA, 2007) é baseado em uma história real e dirigido por um dos raros grandes atores em atividade: Sean Penn. O filme refaz a trajetória de Chris McCandless (Emile Hirsch) que, após terminar a faculdade, resolve largar tudo, cair na estrada e ir ao Alasca. De lá, ele não volta mais.
A atuação de Hirsch tem sido bastante elogiada, mas, pra mim, quem rouba a cena são mesmo os coadjuvantes: o casal de hippies, a jovem cantora, o velho solitário, dão uma humanidade irresistível e triste ao filme.
Impossível não associá-lo à máxima latina fugeret urbem, sequire naturam ("fugir da cidade, seguir a natureza"). Uso muito essa citação quando ensino sobre o Neoclassicismo em minhas aulas de Literatura.
O neoclássicos resgatam, na poesia, a visão grega de que a natureza é exemplo de perfeição e harmonia e que, portanto, devemos nos espelhar nela; imitá-la para nos tornarmos melhores e mais felizes.
Essa nostalgia pela vida no campo é reavivada por filósofos como Rosseau e sua (que, na verdade, nem é dele) "teoria do bom selvagem": o homem é bom por natureza, mas é corrompido pela cidade ou, equivale dizer, pela sociedade. É preciso que voltemos ao nosso estado natural.
Isso será um prato cheio para os românticos do séc. XIX. A natureza é extremamente idealizada. Basta ler, por exemplo, Os sofrimentos do jovem Werther, de Goethe. A natureza é extensão do próprio "eu". Ela varia segundo suas alegrias ou tristezas.
Digo isso porque o filme cita um poema de Byron (o protótipo do escritor romântico) e também porque existe um quê de filosofia romântica nos autores tão admirados pelo protagonista: Jack London e Henry Thoreau.
Nós todos, geralmente, também temos essa visão idealizada da vida no campo. Como se fosse a solução para as nossas angústias ou alívio para o cotidiano massacrante e imediatista da civilização ocidental, cada vez mais urbana.
Ora, quem nunca, na juventude, quis largar tudo e correr o mundo? Ser um mochileiro e percorrer a Europa? Viver numa comunidade hippie? É sintomático que exista uma comunidade no Orkut intitulada: "Se nada der certo, eu largo tudo e viro hippie". É o ideal romântico de liberdade. Um sentimento iconoclasta contra as instituições estabelecidas que nos ensinam que devemos estudar, trabalhar, casar, ter filhos e pagar os impostos.
O caminho de Chris McCandless é um caminho de autoconhecimento, de iluminação. É nele que ele busca respostas para o sentido da vida. Pena é que as tenha encontrado quando era tarde demais.
Nós sempre buscamos a felicidade ou a projetamos em um lugar que está distante de nós: "eu serei feliz quando estiver naquela praia", "eu serei feliz quando atingir o pico daquela montanha", "eu serei feliz quando ganhar muito dinheiro" ou "eu serei feliz quando tiver aquela mulher". Nos esquecemos de ser felizes no aqui e no agora. Nos esquecemos de olhar em torno e buscar a felicidade que está bem aqui do nosso lado.

Acho que o crítico de cinema da Veja, Isabela Boscov, pode dizer melhor do que eu:

"Em 1990, depois de se formar na faculdade com notas que facilmente o credenciariam a cursar direito na Universidade Harvard, o jovem Christopher McCandless doou todo o seu dinheiro – 24 000 dólares – a uma instituição de caridade, encheu uma mochila, entrou em seu carro velho e nunca mais foi visto pela família. Nos primeiros meses, enviou a eles um ou outro cartão-postal. Depois, nem isso. Os McCandless só vieram a saber novamente de seu filho em setembro de 1992, por meio de um relatório de autópsia: era de Christopher o corpo encontrado, já em avançado estado de decomposição, num ônibus velho que servia de abrigo a aventureiros no meio do Alasca. O que Christopher almejava com sua vida de andarilho e por que ele sucumbira durante a temporada como ermitão no Alasca foram as perguntas que o escritor Jon Krakauer começou a se fazer obsessivamente na ocasião. Krakauer, que também atravessara um período de isolamento radical na juventude, primeiro pesquisou a aventura e morte de Christopher para um artigo.
Não foi o bastante para purgar sua inquietação. Ele refez então o percurso tortuoso do rapaz pelo país, entrevistou as pessoas com quem ele cruzara, e nas quais deixara impressões profundas, e ponderou os pequenos azares que culminaram em seu fim solitário. O saldo foi um livro quase hagiográfico na forma como identifica em Christopher um idealismo inflexível e uma coragem ilimitada na busca por seu modelo de pureza. Mais equilibrado, e mais comovente, é o filme homônimo, Na Natureza Selvagem (Into the Wild,Estados Unidos, 2007), que estréia nesta sexta-feira no país.
Dirigida por Sean Penn, esta adaptação destila o espírito que moveu Christopher McCandless: uma espécie de ideal americano de santidade, nascido do cruzamento do puritanismo com o fascínio pela vastidão do território. Um menino complicado e obstinado, filho de pais idem, Christopher desde pequeno revelara talento incomum para viver na natureza. Em algum ponto, passou a enxergar nela a resposta para sua rejeição às faltas dos pais e a seu suposto materialismo. Leitor fanático de Jack London e Henry Thoreau, grandes romantizadores da vida selvagem, meio que se convenceu de que retornar ao estado mais primitivo, sem dinheiro, sem bens e vivendo do que a natureza pudesse lhe oferecer, o faria exterminar seu falso "eu". Desprezou, porém, a lógica que fez a espécie prosperar: o acúmulo de técnica, de conhecimento e de estratégia. Se não tivesse rasgado seu mapa do Alasca, saberia que poderia ter cruzado um rio torrencial em outro ponto e assim retornado à civilização, como pretendia. Sem sabê-lo, teve de estender sua estada no ônibus abandonado até morrer de inanição e provável envenenamento por sementes nativas.
Nas mãos de Penn, e interpretado pelo magnético Emile Hirsch, o protagonista reencontra um âmago mais doce. Christopher, aqui, se parece menos com o profeta do livro e mais com o que provavelmente foi: um menino com muitas questões íntimas por resolver (há indícios de que ele jamais teve um relacionamento sexual, por exemplo), que teve a infelicidade de morrer por excesso de cura para seus males – mas que era capaz de imensa alegria, deslumbramento e generosidade. Essa é a imagem que Penn crava em seu desfecho. E é ela que faz Na Natureza Selvagem doer tanto."


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