domingo, 24 de fevereiro de 2008

Pós-cavalgada

Foi uma senhora cavalgada.
Saímos de um sítio próximo ao motel San Rafael, de onde esperamos a lua cheia. Claro que acompanhados de comes e bebes! Eram 21h.
São Pedro ajudou, sim. O céu estava estrelado e a lua fez visita.
Fomos escoltados pela polícia rodoviária até o trevo de Alfenas e de lá seguimos para o espetinho do antigo bar do Cardoso, aqui no Jd. Aeroporto. Deixamos os cavalos atrelados na grama e molhamos um poucos as palavras.



Depois pegamos a estrada de terra pra Fama.
Delícia galopar na escuridão com um filete de luz atravessando as árvores e com o vento batendo na cara. Prefiro ficar na frente da tropa, em silêncio. Olhando e pensando. Pensando na vida. Como pano de fundo, uma música no mp3.
À 1h, cortamos caminho rumo à fazenda Santana. O seu Geraldo nos aguardava com uma macarronada e com um estoque de cerveja geladinha. Às 2h, já estávamos bem estabelecidos e tocando uma moda de viola. Depois disso, desmontamos novamente. Agora na cama.
No dia seguinte, almoço e moda de viola com uma dupla de Tambaú (SP), que havia tocado no meu aniversário. Posto, aqui, uma palinha.



O cavalo é, do meu ponto de vista, um dos mais belos animais que existem. E faz parte do universo sertanejo por excelência. Por isso, reproduzo um artigo publicado pelo nosso mais importante folclorista, Luiz da Câmara Cascudo, que recolheu algumas quadrinhas populares, tendo esse animal como tema:

"O sertanejo depois da mulher, ama desesperadamente o seu cavalo e as suas armas. Rodrigues de Carvalho, Cancioneiro do norte (Paraíba, 1928, p.267), recolheu um verso expressivo sobre este elemento etnográfico:

Há quatro coisas no mundo
Que alegra um cabra macho:
Dinheiro e moça bonita,
Cavalo estradeiro-baixo,
Clavinote e cartucheira.
Pra quem anda no cangaço.

No famoso desafio entre Inácio da Catingueira e Francisco Romano, o primeiro resumiu os dez desejos naturais de toda a gente (Leonardo Mota, Cantadores, Rio de Janeiro, 1921, p.175):

Há dez coisas neste mundo
Que toda gente procura:
É dinheiro e é bondade,
Água fria e formosura,
Cavalo bom e mulhé,
Requeijão com rapadura,
Morá, sem sê agregado,
Comê carne com gordura.

O cantador Joaquim Venceslau Jaqueira (op.cit., p.18) tinha apenas três predileções:

Eu andei de déo em déo
E desci de gáio em gáio
Jota a-já, queira ou não queira.
Eu não gosto é de trabaio,
Por três coisa eu sou perdido:
Muiê, cavalo e baraio!...

Uma popularíssima quadrinha registrada por Rodrigues de Carvalho, tantas vezes ouvidas por mim no sertão, confessa:

Já sou velho e tive gosto,
Morro quando Deus quiser,
Duas coisa me acompanha
Cavalo bom e mulher.

Uma sextilha conhecida e que meu pai recitava tê-la ouvido ainda menino decide entre a mulher e o cavalo:

Minha mulher e meu cavalo
Morreram no mesmo dia;
Antes morresse a mulher.
O cavalo é qu'eu queria;
Cavalo custa dinheiro,
A mulher não faltaria...

Duas variantes alagoanas ouvi-as recitadas por José Aloísio Vilela em Maceió:

A mulher e o cavalo
Morreram de madrugada
Tive pena do cavalo
Que a mulher não era nada.

A mulher e o cavalo
Morreram no mesmo dia;
Tive pena do cavalo
Que a mulher nada valia.

Não deparei exemplo português na espécie.
Valorizando o cavalo podia ser do ciclo castelhano e fatalmente haveria repercussão sul-americana. É a presença indisfarçável do árabe, apaixonado pelo seu cavalo nobilíssimo. Maomé amava no mundo, acima de tudo, as mulheres e os cavalos. Westermarch (Survances Paíennes dans la civillisation mahométane, 128), informa: 'Le plus noble de tous les animaux est le cheval. Il est d´un sang auguste, il parell à un chérif. Il est en bênediction à son maitre. Les espirits malins, fuient le lieu ou se trouve un cheval; quand il hennit il les met en fuite ou casse les têtes de quarante d´entre eux. Le respect superstitieux qui entoure le cheval dans I´Afique du Nord date d´une époque probablement fort ancienne'.
Por todo o ciclo do gado o cavalo é naturalmente o rei (Luís da Câmara Cascudo, Leges et consuetudines medievais nos costumes do Brasil) e os versos em seu louvor aparecem constantemente." ("Minha mulher e o meu cavalo". Jornal do Commercio. Recife, 08 de dezembro de 1957)

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