quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

A grande dor das cousas que passaram

Erros meus, má fortuna, amor ardente
Em minha perdição se conjuraram;
Os erros e a fortuna sobejaram,
Que para mim bastava amor somente.

Tudo passei; mas tenho tão presente
A grande dor das cousas que passaram,
Que as magoadas iras me ensinaram
A não querer já nunca ser contente.

Errei todo o discurso dos meus anos;
Dei causa a que a fortuna castigasse
As minhas mais fundadas esperanças.

De amor não vi se não breves enganos.
Oh! quem tanto pudesse, que fartasse
Este meu duro Gênio de vinganças!

Camões

"A grande dor das coisas que passaram". Rubem Braga dizia que esse verso era a coisa mais linda que ele lera.
O soneto me lembra Bandeira: "A vida que poderia ter sido e não foi." Sempre pensamos nas coisas que fizemos, e que não deveríamos ter feito. Coisas que não fizemos, e que deveríamos ter feito. Adianta olhar para o passado? Se, parodiando aquele velho clichê, fosse possível "desenhar a vida com borracha", tudo seria mais fácil. Mas ela é vivida ao vivo. Sem ensaios. E sem borracha. Somos responsáveis pelas nossas decisões. Sábias ou estúpidas. E temos de lidar com as conseqüências.
Além do mais, a vida é toda impermanência. Tudo flui e nada é o mesmo, já dizia Heráclito. Então me ocorre uma fábula oriental. Um rei procura um sábio e pede que ele lhe escreva alguma coisa para ler num momento de aflição. O sábio escreve e o rei guarda o papelzinho. O reino é atacado, o rei perde tudo, e então lê o que o sábio escrevera. “Nem sempre vai ser assim”. Mais tarde, o rei recupera o reino perdido. Encontra o sábio e este lhe diz que agora, num momento de júbilo, deve ler de novo a mensagem. Nem sempre vai ser assim. Sêneca, meu filósofo favorito, escreveu que a vida é um eterno vai-e-vém de elevações e quedas. A diferença toda está em como nos portamos nas quedas.

Um comentário:

mariochico disse...

Samuel,
Obrigado pelo poema camoniano que eu procurava, pra mandar pra uma amiga ex-aluna. Aliás, gostei tanto do que encontrei em Nonada (a começar pelo nome riobaldino!), que de imediato me tornei teu seguidor. Afinal, não é a qualquer clicada que a gente topa, na mesma página internética, com Camões comentado por Rubem Braga e levando a Manuel Bandeira. Tudo/todos encaleidoscopizados por um outro - Samuel - semdúvidapoeta!...
Deus esteja, que viver é muito perigoso, mas no sertão tem Medeiro e Luiz Vaz pra nos proteger dos Hermógenes!
Abraço, mano jovem!