domingo, 31 de maio de 2009

Livre?

Estudos põem em xeque noção de livre-arbítrio
HÉLIO SCHWARTSMAN

A pesquisa de Huettel é mais uma a pôr em xeque a noção de livre-arbítrio. A pergunta fundamental é: somos livres para agir como queremos? As implicações da resposta nada têm de trivial. Se nossas ações são determinadas, seja por interações físico-biológicas, seja por um Deus, como responsabilizar alguém por seus atos? A justiça é possível?
Num experimento seminal dos anos 80, Benjamin Libet, da Universidade da Califórnia, plugou seus alunos a aparelhos de eletroencefalograma e demonstrou que a atividade cerebral que possibilita movimentos voluntários tem início cerca de 300 milissegundos antes da decisão consciente de mexer um braço ou uma perna.
A partir daí, neurocientistas de diversas linhagens desenvolveram testes semelhantes, corroborando os resultados de Libet. Michael Platt e Paul Glimcher, da Universidade de Nova York, mostraram que algo parecido ocorre até com macacos.
Hoje a neurociência é mais ou menos unânime em afirmar que o livre-arbítrio é uma ilusão, a exemplo da consciência, a qual, embora não passe de um efeito colateral de vários sistemas cerebrais ligados em rede, nos leva genuinamente a crer na balela cartesiana de que um "minieu" incorpóreo (uma alma) está no comando.
O livre-arbítrio seria, sob a visão de certos filósofos e neurocientistas, algo como um tique nervoso ou a necessidade que o viciado tem de conseguir droga -processos a meio caminho entre o involuntário e o voluntário.
Boa notícia para advogados, que podem regozijar-se com a perspectiva de novas e mais extravagantes estratégias de defesa. Se nada pode ser qualificado como inapelavelmente voluntário, é a própria noção de crime doloso que cai por terra.
Isso significa que não há justiça possível? Talvez não. Alguns viciados superam sua compulsão. Se, por um lado, o farmacodependente quer a droga (desejo de 1º grau); por outro, ele sabe que o vício lhe faz mal e planeja livrar-se dele (desejo de 2º grau).
O livre-arbítrio pode assim ser descrito como um poder de veto dos desejos de 2º grau sobre os de 1º.
Tentando resgatar a noção de responsabilidade, o filósofo Daniel Dennett propõe uma versão mitigada de livre-arbítrio: nós temos o poder de veto e o poder de veto sobre o veto, além de noções de causalidade que nos permitem projetar o futuro e calcular consequências.
Talvez não baste para salvar uma noção de justiça absoluta, mas serve para que a sociedade siga funcionando.

Folha de S. Paulo, 28/5/09.

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