segunda-feira, 25 de julho de 2011

Menino nada Maluquinho

Ler ou não ler, eis a questão

Você gosta de Dostoiévski? Se a resposta for "não", o problema está em você, nunca nele. Uma coisa que qualquer pessoa culta deve saber é que Dostoiévski (e outros grandes como ele) nunca está errado, você sim.
Se você o leu e não gostou, minta. Procure ajuda profissional. Nunca diga algo como "Dostoiévski não está com nada" porque queima seu filme.
Costumo dizer isso para meus alunos de graduação. Eles riem. Aliás, um dos grandes momentos do meu dia é quando entro numa sala com uns 30 deles. Inquietos, barulhentos, desatentos, mas sempre prontos a ouvir alguém que tem prazer em estar com eles. Parte do pouco de otimismo que experimento na vida (coisa rara para um niilista... risadas) vem deles.
Devido a essa experiência, costumo rir de muito blá-blá-blá que falam por aí sobre "as novas gerações".
Um exemplo desse blá-blá-blá são os pais e professores dizerem coisas como: "Essa moçada não lê nada".
Na maioria dos casos, pais e professores também não leem nada e posam de cultos indignados. A indignação, depois da Revolução Francesa, é uma arma a mais na mão da hipocrisia de salão.
Mas há também aqueles que dizem que a moçada de hoje é "superavançada". Não vejo nenhuma grande mudança nessa moçada nos últimos 15 anos. Mesmas mazelas, mesmas inquietações do dia a dia.
Nada mais errado do que supor que eles exijam "tecnologia de ponta" na sala de aula (a menos que a aula seja de tecnologia, é claro). Atenção: com isso não quero dizer que não seja legal a tal "tecnologia de ponta". Quero dizer que "tecnologia de ponta" eles têm "na balada". O que eles não têm é Dostoiévski.
O "amor pela tecnologia" é sempre brega assim como constatamos o ridículo de filmes com "altíssima tecnologia de ponta" comum nos anos 80 e 90 (tipo "Matrix"). Hoje, tudo aquilo parece batedeira de bolo dos anos 50. O que hoje você acha "sublime" na histeria dos tablets, amanhã será brega como os computadores dos anos 80.
Dostoiévski é eterno como a morte. Mas eis que lendo uma excelente entrevista com um psicólogo professor de Yale na página de Ciência desta Folha da última terça (19) encontro um dos equívocos mais comuns com relação a Dostoiévski.
O professor afirma que agir moralmente bem não depende de crenças religiosas. Corretíssimo. Qualquer um que estudar filosofia moral e história saberá que acreditar em Deus ou não nada implica em termos de "melhor" comportamento moral. Crentes e ateus matam, mentem e roubam da mesma forma.
E mais: se Nietzsche estivesse vivo veria que hoje em dia -época em que ateus são comuns como bananas nas feiras- existe também aquele que vira ateu por ressentimento.
Nietzsche acusa os cristãos de crerem em Deus por ressentimento (o cristianismo é platonismo para pobre). Temos medo da indiferença cósmica, daí "inventamos" um dono do Universo que nos ama e, ao final, tudo vai dar certo.
Quase todos os ateus que conheço o são por trauma de abandono cósmico. Se o religioso é um covarde assumido, esse tipo de ateu (muito comum) é um "teenager" revoltado contra o "pai".
Mas voltando ao erro na leitura de Dostoiévski. Do fato que religião não deixa ninguém melhor, o professor conclui que Dostoiévski estava errado quando afirmou que "se Deus não existe, tudo é permitido". Erro clássico.
Essa afirmação de Dostoiévski não discute sua crença, nem o consequente comportamento moral decorrente dela (como parece à primeira vista). Ela discute o fato de que, pouco importando sua crença, se Deus não existe, não há cobrança final sobre seus atos. O "tudo é permitido" significa que não haveria "um dono do Universo" para castiga-lo (ou não), dependendo do que você fizesse.
Claro que isso pode incidir sobre seu comportamento moral, mas apenas secundariamente. A questão dostoievskiana é moral e universal, não pessoal. Pouco importa sua crença, a existência ou não de Deus independe dela, e as consequências de sua existência (ou não) cairão sobre você de qualquer jeito. O problema é filosófico, e não psicológico.
O cineasta Woody Allen entendeu Dostoiévski bem melhor do que o professor.

PONDÉ, Luiz Felipe. Folha de S. Paulo, 25/7/2011.

domingo, 17 de julho de 2011

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Os idiotas


No jornal, Nelson Rodrigues tratou muitas vezes do idiota. Numa delas, foi assim: "Escrevi outro dia que o idiota sempre se comportara como idiota. Era de uma modéstia exemplar, de uma humildade total. Não em nossa época. De repente, o idiota explode. (...) Hoje há idiotas liderando povos, fazendo história e fazendo lendas. Mao Tse-tung seria impossível em outra época. Em nosso tempo, passa por ser um estadista gigantesco. (...)
"Lidos, viajados, falando vários idiomas, maridos das melhores mulheres, os idiotas têm também os melhores cargos e exercem as funções mais transcendentes. Disse eu que estão por toda parte: na política como nas letras, nas finanças como no cinema, no teatro como na pintura. Outrora, os melhores pensavam pelos idiotas; hoje, os idiotas pensam pelos melhores. Criou-se uma situação realmente trágica: ou o sujeito se submete ao idiota ou o idiota o extermina".

CASTRO, Ruy. Folha de S. Paulo, 5 jul. 2011.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Terceiro ato



Entenda por que a melhor fase da vida de um homem começa aos 30 anos. Afinal, você assume o volante da vida e pode enfim decidir o caminho e a velocidade que quer adotar

Por Antonio Prata

Aos 10 anos, eu acreditava que a idade adulta começava aos 20. Aos 20, achei que ainda não havia chegado lá e decretei que adultos eram só os com mais de 30. (Convenhamos, apenas seis primaveras depois da oitava série, você é, no máximo, um pós-adolescente: provavelmente ainda mora com os pais, deixa a toalha molhada em cima da cama e siglas como IPTU ou FGTS fazem muito menos sentido do que MILF ou THC.) Ao completar a terceira década de vida, contudo, não tive como protelar: alguns fios brancos no queixo, projetos de rugas nos cantos dos olhos e entradas moderadas avançando pelo couro – já não tão – cabeludo me atestavam, no espelho: eis aí um espécime maduro, acabado e plenamente desenvolvido de homo sapiens. E sabe o quê? Fiquei bastante contente com a descoberta.
A infância é terrível. Você precisa chamar as autoridades competentes até mesmo para limpar a bunda, é incapaz de organizar verbalmente as ideias mais rudimentares e, quando o faz por outras vias, como pintando a parede da sala com seu estojo de canetinhas, fica um mês sem sobremesa. A infância é uma espécie  de condicional, após a solitária do útero. Uma liberdade vigiada, que deve te preparar para a próxima fase infeliz: a adolescência. Ser adolescente é mais ou menos como mendigar em Paris ou estagiar numa empresa bacana: você já está lá, onde tudo acontece, mas não pode  participar da festa; porque é duro, porque é nerd, porque é prego, ou porque tem que decorar o número atômico dos alcalinos terrosos e a função das mitocôndrias para a prova da Fuvest.
Só tive o que comemorar, portanto, quando terminaram essas duas fases de tutela e me vi finalmente livre. Aos 30, você escolhe bola, campo e o time em que quer jogar. Tá bom, pode reclamar que sua bola não é uma Jabulani, que o gramado está mais para uma várzea do Tamanduateí do que para o tapete do Camp Nou, que no seu time só tem perna de pau. Mas uma das vantagens da idade adulta é que, ao contrário da infância e da adolescência, que passam num piscar de olhos – ou num xixizinho e numa ejaculação precoce, para nos atermos a imagens mais condizentes com o assunto –, a maturidade dura quatro décadas; é tempo suficiente para você se acostumar consigo mesmo ou para mudar a situação. E talvez seja essa a maior lição da maturidade: saber discernir entre as coisas que você pode e precisa lutar para mudar e aquelas que deve simplesmente aceitar. Na infância ou na adolescência, ser ruim nos esportes era algo que me atormentava. “Por que, ó, Deus, fizeste-me o último a ser escolhido em todos os times, na educação física?”, eu perguntaria ao Senhor, se Nele acreditasse e decidisse importuná-lo com meus resmungos. Hoje, isso é apenas um dado, quase indiferente, como ter cabelo castanho ou ser canhoto.
Se você está em torno dos 30, pode lutar durante os próximos 40 anos para realizar projetos e conquistar a(s) mulher(es) por quem estiver a fim, para correr uma maratona ou ganhar dinheiro; mas vai ter que aceitar suas orelhas de abano ou pernas finas, o fato de não ter a lábia de Don Juan, a inteligência do Einstein, nem a conta do Bill Gates. E por que não aceitaria? O mundo é grande, tá cheio de gente interessante e tem um monte de coisa boa para fazer, mesmo não podendo pegar sempre a mais gata da festa, jamais descobrir uma segunda teoria da relatividade, nem comprar um iate, numa quarta-feira à tarde, se estiver um pouco entediado.
Três décadas. Dá o que pensar. Mas não tenhamos pressa. Como disse uma amiga minha, nos últimos minutos dos meus 29: “Não se preocupe, meu querido, os homens começam aos 30”. Com calma, vamos aproveitar esse longo terceiro ato, antes que chegue o quarto – a velhice – e o quinto – sobre o qual não convém falar, por estar muito lá para a frente, só bem depois dos 90. Ou dos cem? Cento e dez? Cento e quinze, cento e vinte…